Santarém |
HOJE É
DOMINGO
(Na minha cidade de Santarém)
Em jovenzinho não fui para contabilista porque
não gostava de números, eram frios, inexpressivos. Agora, via de resto, até
sonho com eles: uns, pequeninos, outros, grandes e enormes. Os primeiros devem
ter a ver com o deficit, os segundos com os juros e a dívida do país.
Não admira… ontem, num dos vários programas de
televisão da especialidade, o Dr. Silva Lopes, do alto dos seus mais de oitenta
anos, que fez parte de quatro governos do pós 25 de Abril e que nestas coisas
de economia e finanças sabe-a toda, enquanto segurava num papelito com uma mão
e com a outra meio levantada contorcia os dedos, expressava as suas dúvidas
sobre os números perspectivados e perorava contra a troyka…
O Dr. Miguel Frasqui lho,
“expert” oficial do governo nestas matérias, fala por “esgares” e “faz
olhinhos” à recuperação da economia do país e da europa…
O jovem representante do PCP, de porte atlético
a fazer lembrar os lutadores de artes marciais, impõe a sua voz, esmaga as
restantes e destrói qualquer esperança do governo em uma solução seja ela qual
for…
Em nome do Bloco de Esquerda, um outro jovem,
num estilo sereno e didáctico, explica por “a” mais “b” porque a política de
austeridade agrava a situação e a economia de um país não se governa da mesma
forma que um bom chefe de família governa a sua casa…
Afundei-me no sofá, fiz zeping e fui ver
snooker, esse jogo relaxante e belo em que gosto de descansar o olhar e o
espírito recordando o bilhar do Café Paraíso, em Tomar, onde estudava e me
“perdia” a ver os outros jogar pelo fascínio daquelas bolinhas rolando no pano
verde…
Ontem, eu estava reconfortado pela boa notícia
que o Vice- Primeiro Ministro, Dr. Paulo Portas, me tinha dado. Não sei se já
perceberam que o Dr. Paulo Portas é, no Governo, o das “boas” notícias. Ele, que
anda interiormente eufórico desde as últimas eleições autárqui cas porque das 308 Câmaras que o país tem ganhou
quatro (que ninguém conhece nem ouviu falar) e com uma que já tinha perfaz
cinco, uma mão cheia, o penta!
Pois o Dr. Paulo Portas, o das boas notícias,
veio dizer-nos que já não vão tirar mais 10% - que andaram a ameaçar - às pensões dos reformados do Estado entre os
quais me incluo, mas eu sou céptico… ele também disse que se ia embora do
governo – decisão irreversível – e afinal não só ficou como subiu um degrau, para Vice-Primeiro Ministro.
Não levam os 10% mas qualquer dia, pressionados
pela troyka, vêm cá a casa e levam outra coisa qualquer. Levem a
televisão que é de boa marca e eu vejo-me livre da vista deles… desde que
deixem ficar os jogos de snooker e os golos do Ronaldo.
A terrível dúvida é sobre a sustentabilidade da
dívida do país. O nosso responsável máximo, também ele professor nestas
matérias, em dois discursos solenes à nação, afirmou naquele seu estilo matraqui lhado – vem de matraqui lhos
- que a dívida era insustentável,
in-sus-ten-tá-vel, duas vezes.
Agora foi à Suécia e de lá falou para Portugal e
para o mundo e disse:
- Se os
nossos credores, aqueles a quem devemos dinheiro, consideram que ela não é
insustentável, somos nós, então, devedores que a vamos considerar
insustentável?... – Só se fossemos masoqui stas!...
No domingo passado, dia 1 de Setembro, Passos
Coelho "entusiasmou-se" perante a plateia de “laranjinhas” que o
escutava, no encerramento da Universidade de Verão do PSD, e saiu-se com esta
pérola da mais rasteira e cínica demagogia:
- "Já alguém se
lembrou de perguntar aos 900 mil desempregados de que lhes serviu até hoje a Constituição?"
Como estão lembrados, o Tribunal Constitucional tem chumbado, com
base na interpretação que faz da Constituição, algumas normas que o governo
gostaria de ver aprovadas para a execução da sua política de austeridade.
Até aqui nada de
anormal. Passos Coelho e o seu governo têm uma opinião e a maioria de Juízes do
Tribunal Constitucional tem outra… mas fazer dos 900.000 desempregados do país
arma de arremesso contra os Juízes do TC é baixo, de baixo carácter…
Vai daqui , a jornalista
Ana Sá Lopes, no jornal “i” perguntou, na mesma linha e com a mesma lógica:
- "De que valeu aos 900.000
desempregados, até hoje, a Assembleia da República? E a Assunção Esteves? E o
25 de Abril? E o deputado Luís Montenegro? E o Luís Meneses? E o deputado XPTO?
E o Governo? E o Pedro? E o Paulo? E a Maria de Lourdes Albuquerque? E os
outros, com os respectivos assessores?
De que valeu aos 900.000 desempregados as eleições livres e
justas? A tropa? A Cinemateca? O Teatro Nacional? O Palácio de São Bento? Os
almoços de Estado que não são do Estado mas pagos pelo Estado? E a câmara
Municipal de Ponta Delgada? E as Autonomias Regionais? E o direito de voto a
partir dos dezoito anos? E o direito à não descriminação em função da raça e do
sexo? E a separação de poderes? E já agora, de que lhes valeu a JSD? E as Universidades
de Verão do PSD onde os “laranjinhas” vão marcar presença para arranjarem
emprego num dos gabinetes do Governo?"
De que valeu tudo isto aos 900.000 desempregados, Sr. Primeiro Ministro?
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