Episódio Nº 156
António Balduíno veste o branco, mas,
como vai passar na casa de Clarimundo, não põe a gravata vermelha. Sai
aborrecido da vida, Rosenda também.
Vão afastados como se não se
conhecessem. Sobem balões para o céu. Acenderam a fogueira na casa de Osvaldo. Estouram
traques e busca-pés.
Clarimundo não verá jamais os balões
deste São João! Na sua porta, nesta data, nunca deixou de arder uma grande
fogueira nem de espoucar foguete.
Os amigos vinham beber vinho de genipapo
e cachaça. António Balduíno veio muitas vezes. Soltavam busca-pés que corriam
atrás dos transeuntes descuidados.
Certa vez fizeram subir um balão
colossal, de seis metros, em forma de zepelin, que tinha três bocas. Fora uma
beleza. Um jornal deu o retrato no dia seguinte. A sala ficava cheia.
Hoje também ela está cheia mas a
fogueira não arde na porta. Estendido no caixão, Clarimundo tem os olhos
fechados. Os balões passam no céu, Clarimundo não os vê.
Não vê a fogueira da casa de Osvaldo.
Nos outros anos eles apostavam para ver quem fazia a fogueira maior. Este ano a
do Osvaldo foi maior porque na casa de Clarimundo só tem vela que arde ao lado
de defunto.
A cara ficou irreconhecível. A bola de
ferro do guindaste amassou a cabeça do estivador, rebentou os ossos, acachapou
tudo aqui lo.
Hoje soltaram um balão em forma de
zepelin também. Todos correm para a janela para verem. Vai cheio de luzes
atravessando o céu azul.
Só Clarimundo não vê porque o guindaste
o matou no trabalho do cais. Os outros estivadores estão ali. O sindicato vai
fazer o enterro. Daqueles que estão ali, muitos vão ao baile do “Liberdade na
Baía”.
Jubiabá é que não irá, pois está
encomendando o morto. Na mão tem folhas que balançam. O Gordo também não irá,
com certeza.
O Gordo vai ficar velando Clarimundo,
ajudando Jubiabá na encomendação. Passam balões na noite. Clarimundo, negro
Clarimundo, esta noite não tem fogueira em frente de tua casa.
Mas o negro António Balduíno tomará um
porre por causa da tua morte. E, de agora em diante olhará os guindastes como
inimigos.
A voz da mulher de Clarimundo é
resignada e como que liberta de uma opressão:
-
Isso tinha de acontecer. Toda a vez que ele saía eu pensava que ele voltava nos
braços, morto pelos guindastes…
A filha mais velha de dez anos chora encostada
na mesa. O menor de três anos espia os balões que passam, no céu.
Jubiabá encomenda o morto. António
Balduíno tomará um porre esta noite. Vem a música de um samba de uma casa
próxima. Invade a casa do defunto.
O “Liberdade na Baía” está com o salão
repleto. Gargalhadas vibram no ar. Um cheiro de suor enche a sala, mas ninguém
o sente. O “Jazz dos 7 Canários” está delirante. Os pares quase não podem se
mexer na sala.
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