Nem Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 198
Era qualquer coisa mais séria que
barulho, que briga. Era uma luta dirigida para um fim, sabendo o que queria,
uma luta bonita.
Ali na greve todos se amavam, se
defendiam e lutavam contra a escravidão. A greve merecia um A B C. Não bastava
o samba que António Balduíno canta enquanto pensa:
«Não teve
luz
E também
não teve pão
Ficou
mudo o telefone
Sem ter comunicação
Durante
a greve não houve jornal
Também
não teve bonde
Para
nenhum ramal»
Verdade tudo aqui lo que o samba dizia. Aqueles homens, que António
Balduíno sempre desprezara, como escravos incapazes de reagi, paralisaram toda
a vida da cidade.
António Balduíno pensava que
ele e os seus malandros, desordeiros que viviam de navalha em punho, é que eram
fortes, livres e donos da cidade religiosa da Baía.
E esta sua certeza fizera
que ele ficasse triste e quase suicida quando teve de trabalhar nas docas. Mas
agora ele sabe que não é assim.
Os trabalhadores são
escravos mas estão lutando para se libertar. Bem que o samba diz.
«As
fabricantes
Pararam um
instante
Até que os
operários
Saíssem
triunfantes
Agora reina
grande alegria
Viva os operários
da nossa Baía»
Ele julgara que a luta, luta
aprendida nos A B C lidos nas noite do morro, nas conversas em frente à casa de
sua tia Luísa, nos conceitos de Jubiabá, na música dos batuques, era ser
malandro, viver livre, não ter emprego.
A luta não é esta. Nem
Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve, era a revolta dos que estavam
escravos. Agora o negro António Balduíno sabe. É por isso que vai tão
sorridente, porque na greve recuperou a sua gargalhada de animal livre.
Canta os dois últimos versos
do samba em voz tão alta que assusta a pálida prostituta que parece uma virgem
e que na janela da velha casa da Ladeira da Montanha rega um vaso de flores.
A noite desceu e a lua sobe
do mar para junto das estrelas. O Gordo andará na rua Chile de braços
estendidos a perguntar onde está Deus.
Zumbi dos Palmares é que
brilha no céu. Para os homens brancos, é Vénus, o planeta. Para os negros, para
António Balduíno, é Zumbi, o negro que morreu para não ser escravo.
Zumbi sabia aquelas coisas
que só agora António Balduíno aprendera. Os saveiros dormem. Apenas “O Viajante
sem Porto”, sai, de lanterna acesa, carregado de abacaxis.
Maria Clara vai em pé
cantando. Dela vem o cheiro poderoso do mar. Ela nasceu no mar, o mar é o seu
inimigo e o seu amante.
António Balduíno também ama
o mar. Sempre viu no mar o caminho de casa.
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