terça-feira, janeiro 21, 2014

A GRANDE

REVOLUÇÃO

(continuação)




No próximo Oriente, desde o norte do Mar Vermelho até ao alto do Vale do Eufrates o aparecimento de um clima quente e húmido provocou uma considerável expansão de cereais selvagens e os povos do Mesolítico, que é um período entre o Paleolítico e o Neolítico que se iniciou há 10.000 anos, particularmente por responsabilidade das mulheres, sempre atentas a tudo quanto pudesse constituir alimento para a família, souberam imediatamente tirar proveito desse recurso colhendo a maior quantidade possível de espigas maduras de trigo, centeio ou de cevada.

Os grãos dessas espigas eram leves, muitas vezes guarnecidos de barbas e na maturidade separavam-se facilmente das espigas para que o vento pudesse facilmente proceder à sua disseminação no interesse da propagação da planta.



Ao procederem à apanha, as mulheres, fizeram contudo, uma selecção involuntária dessas sementes porque acabavam por levar consigo espigas mutantes cujos grãos eram mais pesados e estavam mais fortemente agarrados às espigas não se separando facilmente, enquanto os grãos normais, digamos assim, não mutantes, pelas suas características, dificilmente chegavam aos acampamentos.


Uma vez aqui, muitos deles caem para o chão, germinam e dão origem a campos em que a variedade mutante, que era mais útil ao homem, estava largamente representada.

Este processo repetido durante algumas dezenas de anos em locais onde as pequenas comunidades humanas voltam regularmente para instalar os seus acampamentos sazonais, deu início à “domesticação” de novas variedades de cereais mais proveitosas para o homem.

Mais tarde, com a fixação permanente num determinado local, estavam criadas as condições para o aperfeiçoamento de técnicas elaboradas de preparação do solo, colheita e sementeira.

A agricultura nasceu verdadeiramente há cerca de 10.000 anos numa região do “Crescente Fértil”, que se estende desde a Turquia até Oeste do Irão e foi na Turquia, numa zona minúscula de 20x20 Km, situada a 1000 metros de altitude, nas vertentes bem expostas dos montes vulcânicos do Karacadag, que Jack Harlan, da Universidade do Oklahoma, localizou em 1966, aquele que foi sem dúvida o primeiro campo de trigo cultivado.

Na aldeia de Jarno, a nordeste do Iraque, foi encontrada cevada doméstica com 9.000 anos mas não só cereais também várias leguminosas tais como o grão, as favas e as lentilhas e um pouco mais tarde, há 6.000 anos, a pistácia , a oliveira e a vinha.

Os métodos de cultura e as espécies vegetais domesticadas logo foram levadas, primeiro para o norte da Turquia, depois para os Balcãs, Danúbio e finalmente para a Europa ocidental, onde espécies não indígenas são aclimatadas a partir do VII milénio.

As abóboras, pimentos e feijão desenvolvem-se largamente no México entre 9 e 6.000 anos atrás, enquanto que o milho começa a ser cultivado pelo homem no vale de Tehuacan, a partir de há 7.000 anos e os progressos registados nesta cultura são medidos pelo aumento considerável e progressivo do tamanho das espigas.

Tubérculos como a batata e a mandioca foram alvo de uma exploração precoce que não deixou vestígios formais.

Na Ásia, dois tipos principais de cereais, o milho miúdo aos cachos e o arroz foram alvo de uma primeira domesticação precoce entre os 8.000 e 6.000 anos.

Uma leguminosa, a soja, foi domesticada na China Setentrional a partir de há 5.000 anos e vários núcleos humanos no Sudoeste da Ásia desenvolvem economias agrícolas baseadas no tubérculo inhame e em árvores de fruto como a árvore-do-pão, o coqueiro e a bananeira.

Em África, a agricultura desenvolve-se principalmente no Magrebe, bastante tardiamente, 6.000 anos, e numa orla costeira muito limitada.

No Sara os dados utilizáveis são pouco numerosos mas é possível que tenha havido grupos semi-nómadas que tenham explorado cereais, milho miúdo e palmeiras em locais de agrupamento sazonal há cerca de 7.000 anos.

O sedentarismo e a prática regular da agricultura acontece de uma forma gradual, progressiva e em épocas diferentes conforme as regiões.

Tudo começa por acampamentos mais ou menos permanentes com cabanas provisórias de forma arredondada que são feitas para durarem cada vez mais graças a um reforço das armações.

Depois, os grupos sedentarizados aprenderam a substituir os ramos entrançados e os painéis de couro dos grupos nómadas por muros de sustentação de pedra, de tijolos crus secos ao sol ou de adobe (terra misturada com palha) suportando um teto feito de colmo ou de pequenos ramos cobertos com uma espessa camada de argila.

Para economizar espaço passa-se de instalações circulares disseminadas e distantes umas das outras para planos arquitecturais rectangulares, mais compactos.

Por fim, os grupos formados por cada vez mais indivíduos têm tendência para se associarem em locais favoráveis dando origem às primeiras aglomerações que reúnem algumas dezenas de habitações e abrigam trezentas ou quatrocentas pessoas.

No próximo Oriente, aldeias como estas cujos vestígios foram encontrados, desenvolveram-se há 9.000 anos nas actuais Jordânia, Turquia e Iraque.

As maiores são rodeadas por uma muralha acompanhada de um fosso evoluindo para cidades-mercado, situadas no centro de uma rede de várias dezenas de aglomerações de agricultores.

A presença de um templo relativamente imponente que serve também de entreposto e de local de reunião, o tamanho das habitações mais ou menos imponentes e bem arranjadas, assim como a natureza variada dos objectos encontrados, revelam nitidamente que está a desaparecer a tradição igualitária nestas cidades de 2 a 3.000 habitantes e que se está a instalar, pela primeira vez, um sistema social hierarquizado dominado por uma casta religiosa.

Mais tarde, ao lado desta casta religiosa e em cidades que se estendem agora já por várias dezenas de hectares abrigando cerca de 40.000 habitantes, aparece uma aristocracia militar e os negociantes passam a ter primazia relativamente aos artesãos e agricultores, isto na região da Suméria e com algum tempo de atraso fenómenos similares surgem em outras regiões do mundo especialmente no norte da China, no vale do rio Amarelo.

A população mundial, que não atingia os 10 milhões no início do Neolítico, há 10.000 anos, com uma taxa de crescimento da ordem dos 0,001%, 6.000 mais tarde era de 100 milhões com uma taxa de crescimento de 0,1% ou seja, cem vezes mais.

É que durante o Neolítico os homens vivem de maneira diferente e sobretudo melhor do que jamais tinham vivido.

São relativamente bem alimentados, estão muito menos expostos a acidentes mortais, vivem durante mais tempo e mudam mesmo de aspecto físico uma vez que são mais pequenos que os seus antepassados do Paleolítico Superior e o dimorfismo sexual entre homens e mulheres voltou a diminuir, característica que poderia facilmente explicar as mudanças psíquicas e sociológicas que afectam as sociedades humanas.

Na base destas mudanças, há o sentimento de poder dominar a natureza e a descoberta da individualidade.

O Homem “antigo” o de Cro-Magnon, vivia num mundo de sensações e de intuições e identificava-se espontaneamente com a sua tribo.

O Homem do Neolítico descobre que é um indivíduo capaz de influenciar o curso dos acontecimentos. mudança é vertiginosa e leva, com algum optimismo, o etnólogo Claude Levi-Strauss a afirmar que após mais de 2 milhões de anos muito difíceis, tendo chegado mesmo à beira da extinção, a humanidade encontrou finalmente os Jardins de Éden e a esse estado feliz, o cândido Rousseau, chamava “justo meio entre a indolência do estado primitivo e a petulante actividade do nosso amor próprio”.

Mas o género humano não era feito para viver “no justo meio” e essa “idade de ouro” que poderia ser representada pelo começo do Neolítico não durou muito tempo se é que esse período alguma vez mereceu essa denominação.

Nas grandes cidades-Estado e nas aldeias que elas governam organiza-se, manifestamente, a exploração do homem pelo homem e só de uma forma aparentemente paradoxal é que esta revolução social coincide com a descoberta da escrita cujo papel principal foi estabelecer inventários, recenseamentos e leis.

Acabou a pré-história, começou a história e o homem foi o único ser vivo capaz de acrescentar uma história à sua evolução biológica e é por isso que o podemos considerar verdadeiramente excepcional.

Mas é uma história de ambição, de desequilíbrios, de desigualdades…

O Homem, “homo” que se tinha, talvez, tornado sábio, “sapiens” quis além disso, tornar-se sapiente, “sapiens sapiens”. Por vezes para as coisas boas, mas muito mais vezes para as más.

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