sexta-feira, janeiro 24, 2014

 MORREU O PAI DA GENTE....
A MORTE
E A MORTE
DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA

Episódio Nº 20


Cabo Martim fitou-os com olho competente, demorando-se na garrafa em cálculos precisos, comentou para a roda:

 - Aconteceu alguma coisa importante para eles já terem bebido uma garrafa. Ou bem Negro Pastinha ganhou no Bicho ou Curió ficou noivo.

Porque sendo Curió um incurável romântico, noivava frequentes vezes vítima de paixões fulminantes. Cada noivado era devidamente comemorado, com alegria ao iniciar-se, com tristeza e filosofia ao encerrar-se, pouco tempo depois.

- Alguém morreu… - disse um chauffeur.

Cabo Martim estende o ouvido.

 - Morreu! Morreu!

Vinham os dois curvados ao peso da notícia. Das Sete Portas à Água dos Meninos, passando pela rampa dos saveiros e pela casa de Carmela, haviam dado a triste nova a muita gente.

Porque cada um, ao saber do passamento de Quincas, logo destapava uma garrafa? Não era culpa deles, arautos da dor e do luto, se havia tanta gente pelo caminho, se Quincas tinha tantos conhecidos e amigos.

Naquele dia começou-se a beber na Baía muito antes da hora habitual. Não era para menos, não é todos os dias que morre um Quincas Berro Dágua.

Cabo Martim esquecido da briga, o baralho suspenso na mão, observava-os cada vez mais curioso. Estavam chorando, já não tinham dúvidas. A voz do Negro Pastinha chegava estrangulada:

 - Morreu o pai da gente…

- Jesus Cristo ou o governador? – perguntou um dos moleques com vocação de piadista. A mão do negro o suspendeu no ar, atirou-o ao chão.

Todos compreenderam que o assunto era sério. Curió levantou a garrafa e disse.

 - Berro Dágua morreu!

Caiu o baralho da mão de Martim. O feirante malicioso viu confirmar-se suas piores suspeitas: ases e damas, cartas de banqueiro, espalharam-se em quantidade.

Mas também até ele chegou o nome de Quincas, resolveu não discutir. Cabo Martim requisitava a garrafa de Curió, acabou de esvaziá-la, atirou-a fora com desprezo.

Olhou longamente a feira, os caminhões, as marinetes na rua, as canoas no mar, a gente indo e vindo. Teve a sensação de um vazio súbito, não ouvia sequer os pássaros nas gaiolas próximas da barraca de um feirante.

Não era homem de chorar, um militar não chora mesmo após ter deixado a farda. Mas seus olhos ficaram miúdos, sua voz mudou, perdeu toda a fanfarronada.

Era quase uma voz de criança a perguntar:

 - Como pôde acontecer?

Juntou-se aos outros após recolher o baralho, faltava ainda encontrar Pé-de-Vento.

Esse não tinha pouso certo, a não ser às quintas e domingos à tarde, quando invariavelmente brincava na roda de capoeira de Valdemar na Estrada da Liberdade.


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