MORREU O PAI DA GENTE.... |
A MORTE
E A MORTE
DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 20
Cabo Martim fitou-os com olho
competente, demorando-se na garrafa em cálculos precisos, comentou para a roda:
-
Aconteceu alguma coisa importante para eles já terem bebido uma garrafa. Ou bem
Negro Pastinha ganhou no Bicho ou Curió ficou noivo.
Porque sendo Curió um incurável
romântico, noivava frequentes vezes vítima de paixões fulminantes. Cada noivado
era devidamente comemorado, com alegria ao iniciar-se, com tristeza e filosofia
ao encerrar-se, pouco tempo depois.
- Alguém morreu… - disse um chauffeur.
Cabo Martim estende o ouvido.
-
Morreu! Morreu!
Vinham os dois curvados ao peso da
notícia. Das Sete Portas à Água dos Meninos, passando pela rampa dos saveiros e
pela casa de Carmela, haviam dado a triste nova a muita gente.
Porque cada um, ao saber do passamento
de Quincas, logo destapava uma garrafa? Não era culpa deles, arautos da dor e
do luto, se havia tanta gente pelo caminho, se Quincas tinha tantos conhecidos
e amigos.
Naquele dia começou-se a beber na Baía
muito antes da hora habitual. Não era para menos, não é todos os dias que morre
um Quincas Berro Dágua.
Cabo Martim esquecido da briga, o
baralho suspenso na mão, observava-os cada vez mais curioso. Estavam chorando,
já não tinham dúvidas. A voz do Negro Pastinha chegava estrangulada:
-
Morreu o pai da gente…
- Jesus Cristo ou o governador? –
perguntou um dos moleques com vocação de piadista. A mão do negro o suspendeu
no ar, atirou-o ao chão.
Todos compreenderam que o assunto era
sério. Curió levantou a garrafa e disse.
-
Berro Dágua morreu!
Caiu o baralho da mão de Martim. O
feirante malicioso viu confirmar-se suas piores suspeitas: ases e damas, cartas
de banqueiro, espalharam-se em quantidade.
Mas também até ele chegou o nome de
Quincas, resolveu não discutir. Cabo Martim requi sitava
a garrafa de Curió, acabou de esvaziá-la, atirou-a fora com desprezo.
Olhou longamente a feira, os caminhões,
as marinetes na rua, as canoas no mar, a gente indo e vindo. Teve a sensação de
um vazio súbito, não ouvia sequer os pássaros nas gaiolas próximas da barraca
de um feirante.
Não era homem de chorar, um militar não
chora mesmo após ter deixado a farda. Mas seus olhos ficaram miúdos, sua voz
mudou, perdeu toda a fanfarronada.
Era quase uma voz de criança a
perguntar:
-
Como pôde acontecer?
Juntou-se aos outros após recolher o
baralho, faltava ainda encontrar Pé-de-Vento.
Esse não tinha pouso certo, a não ser às
qui ntas e domingos à tarde, quando
invariavelmente brincava na roda de capoeira de Valdemar na Estrada da
Liberdade.
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