quinta-feira, janeiro 23, 2014

... o pai da gente.... - repetia o coro
A MORTE

E A MORTE

DE QUINCAS

BERRO

DÁGUA

Episódio Nº 19




A morte de Quincas aumentava, onde ia chegando, a consumação de cachaça. De longe, Curió, observava a cena. A notícia andara mais depressa do que ele. Também o negro o viu, soltou um urro espantoso, levantou os braços para o céu, levantou-se.

 - Curió, irmãozinho, morreu o pai da gente.

 - … o pai da gente… - repetiu o coro.

 - Cala a boca, pestes. Deixa eu abraçar irmãozinho Curió.

Cumpriam-se os ritos de gentileza do povo da Baía, o mais pobre e o mais civilizado. Calaram-se as bocas. As abas do fraque de Curió elevavam-se ao vento, sobre sua cara pintada começaram a correr as lágrimas.

Três vezes abraçaram-se, ele e o negro Pastinha, confundindo seus soluços. Curió tomou da nova garrafa, buscou nela a consolação. Negro Pastinha não encontrava consolação:

 - Acabou a luz da noite…

 - … a luz da noite…

Curió propôs.

 - Vamos buscar os outros para ir visitar ele.

Cabo Martim podia estar em três ou quatro lugartes. Ou dormindo em casa de Carmela, cansado ainda da noite da véspera, ou conversando na rampa do Mercado, ou jogando na Feira de Água dos Meninos.

Só a essas três ocupações dedicava-se Martim desde que dera baixa do Exército, uns quinze anos antes: o amor, a conversação e o jogo. Jamais tivera outro ofício conhecido, as mulheres e os tolos davam-lhe suficiente com que viver.

Trabalhar depois de ter envergado a farda gloriosa, parecia a Cabo Martim, uma evidente humilhação. Sua altivez de mulato boa pinta e a agilidade de suas mãos no baralho faziam-no respeitado. Sem falar em sua capacidade ao violão.

Estava ele exercendo suas habilidades na Feira de Água dos Meninos, ao baralho. Ao fazê-lo com tanta simplicidade, concorria para a alegria espiritual de alguns “chauffeurs” de marinete e caminhão, colaborava na educação de dois molecotes que iniciavam seu aprendizado prático da vida e ajudava uns quantos feirantes a gastar os lucros obtidos nas vendas do dia.

Realizava assim obra das mais louváveis. Não se explica, por consequência, que um dos feirantes não parecesse entusiasta do seu virtuosismo ao bancar, rosnando entre dentes que “tanta sorte fedia a bandalheira”.

Cabo Martim levantou para o apressado seus olhos de azul inocência, ofereceu-lhe o baralho para que ele bancasse, se ele quisesse e para tanto possuísse a necessária competência. Quanto a ele, Cabo Martim, preferia apostar contra a banca, quebrá-la rapidamente, reduzir o banqueiro à mais negra miséria.

E não admitia insinuações sobre a sua honestidade. Como antigo militar, era especialmente sensível a qualquer murmúrio que envolvesse a sua honradez. Tão sensível que a uma nova provocação seria obrigado a quebrar a cara de alguém.

Cresceu o entusiasmo dos rapazolas, os chauffeurs esfregavam as mãos, excitados. Nada mais deleitável que uma boa briga, assim gratuita e inesperada.

Nesse momento, quando tudo podia se passar, surgiram Curió e Negro Pastinha carregando a notícia trágica e a garrafa de cachaça com um restinho no fundo.

Ainda de longe gritaram para o Cabo.

 - Morreu! Morreu!                                                                     

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