... o pai da gente.... - repetia o coro |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 19
A morte de Quincas aumentava, onde ia chegando, a consumação de cachaça. De longe, Curió, observava a cena. A notícia andara mais depressa do que ele. Também o negro o viu, soltou um urro espantoso, levantou os braços para o céu, levantou-se.
-
Curió, irmãozinho, morreu o pai da gente.
-
… o pai da gente… - repetiu o coro.
-
Cala a boca, pestes. Deixa eu abraçar irmãozinho Curió.
Cumpriam-se os ritos de gentileza do
povo da Baía, o mais pobre e o mais civilizado. Calaram-se as bocas. As abas do
fraque de Curió elevavam-se ao vento, sobre sua cara pintada começaram a correr
as lágrimas.
Três vezes abraçaram-se, ele e o negro
Pastinha, confundindo seus soluços. Curió tomou da nova garrafa, buscou nela a
consolação. Negro Pastinha não encontrava consolação:
-
Acabou a luz da noite…
-
… a luz da noite…
Curió propôs.
-
Vamos buscar os outros para ir visitar ele.
Cabo Martim podia estar em três ou
quatro lugartes. Ou dormindo em casa de Carmela, cansado ainda da noite da
véspera, ou conversando na rampa do Mercado, ou jogando na Feira de Água dos
Meninos.
Só a essas três ocupações dedicava-se
Martim desde que dera baixa do Exército, uns qui nze
anos antes: o amor, a conversação e o jogo. Jamais tivera outro ofício
conhecido, as mulheres e os tolos davam-lhe suficiente com que viver.
Trabalhar depois de ter envergado a
farda gloriosa, parecia a Cabo Martim, uma evidente humilhação. Sua altivez de
mulato boa pinta e a agilidade de suas mãos no baralho faziam-no respeitado.
Sem falar em sua capacidade ao violão.
Estava ele exercendo suas habilidades na
Feira de Água dos Meninos, ao baralho. Ao fazê-lo com tanta simplicidade,
concorria para a alegria espiritual de alguns “chauffeurs” de marinete e
caminhão, colaborava na educação de dois molecotes que iniciavam seu
aprendizado prático da vida e ajudava uns quantos feirantes a gastar os lucros
obtidos nas vendas do dia.
Realizava assim obra das mais louváveis.
Não se explica, por consequência, que um dos feirantes não parecesse entusiasta
do seu virtuosismo ao bancar, rosnando entre dentes que “tanta sorte fedia a
bandalheira”.
Cabo Martim levantou para o apressado
seus olhos de azul inocência, ofereceu-lhe o baralho para que ele bancasse, se
ele qui sesse e para tanto possuísse
a necessária competência. Quanto a ele, Cabo Martim, preferia apostar contra a
banca, quebrá-la rapidamente, reduzir o banqueiro à mais negra miséria.
E não admitia insinuações sobre a sua
honestidade. Como antigo militar, era especialmente sensível a qualquer
murmúrio que envolvesse a sua honradez. Tão sensível que a uma nova provocação
seria obrigado a quebrar a cara de alguém.
Cresceu o entusiasmo dos rapazolas, os
chauffeurs esfregavam as mãos, excitados. Nada mais deleitável que uma boa
briga, assim gratuita e inesperada.
Nesse momento, quando tudo podia se
passar, surgiram Curió e Negro Pastinha carregando a notícia trágica e a
garrafa de cachaça com um restinho no fundo.
Ainda de longe gritaram para o Cabo.
-
Morreu! Morreu!
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