Morreu o pai da gente... |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 18
Durante anos e anos haviam-se encontrado
todos os dias, haviam estado juntos todas as noites, com dinheiro ou sem
dinheiro, fartos de bem comer ou morrendo de fome, dividindo a bebida, juntos
na alegria e na tristeza.
Curió sòmente agora percebia como eram
ligados entre si, a morte de Quincas parecia-lhe uma amputação, como se lhe
houvessem roubado um braço, uma perna, como se lhe tivessem arrancado um olho.
Aquele olho do coração do qual falava a
mãe-de-santo Senhora, dona de toda a sabedoria. Juntos, pensou Curió, deviam
chegar ante o corpo de Quincas.
Saiu em busca do negro Pastinha, àquela
hora certamente no Largo das Sete Portas, ajudando bicheiros conhecidos,
arranjando uns cobres para a cachaça da noite.
Negro Pastinha media quase dois metros,
quando estufafa o peito parecia assemelhava um monumento, tão grande e forte
era.
Ninguém podia com o negro quando lhe
dava a raiva. Felizmente coisa difícil de acontecer, pois negro Pastinha era de
natural alegre e bonacheirão.
Encontrou-o no Largo das Sete Portas,
como calculara. Lá estava ele sentado na calçada do pequeno mercado, debulhado
em lágrimas, segurando uma garrafa quase vazia.
Ao seu lado, solidários na dor e na
cachaça, vagabundos diversos faziam coro às suas lamentações e suspiros. Já
tivera conhecimento da notícia, compreendeu Curió ao ver a cena.
Negro Pastinha virava um trago, enxugava
uma lágrima, urrava em desespero:
-
… Morreu o pai da gente…
-
… pai da gente… - gemiam os outros.
Circulava a garrafa consoladora,
cresciam lágrimas nos olhos do negro, crescia seu agudo sofrer:
-
Morreu o homem bom…
-
… homem bom…
De quando em quando um novo elemento
incorporava-se à roda, por vezes sem saber do que se tratava. Negro Pastinha
estendia-lhe a garrafa, soltava seu grito de apunhalado:
-
Ele era bom…
-
… era bom… - repetiam os demais, menos o novato à espera de uma explicação para
os tristes lamentos e a cachaça grátis.
-
Fala também, desgraçado… - Negro Pastinha, sem se levantar, espichava o
poderoso braço, sacudia o recém-chegado, um brilho mau nos olhos – Ou tu acha
que ele era ruim?
Alguém se apressava a explicar, antes
que as coisas se tornassem mal paradas:
-
Foi Quincas Berro Dágua quem morreu.
-
Quincas?... Era bom… - dizia o novo membro do coro, convicto e aterrorizado.
-
Outra garrafa! – reclamava entre soluços, Negro Pastinha.
Um molecote levantava-se ágil,
dirigia-se à venda vizinha:
-
Pastinha quer outra garrafa.
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