quarta-feira, janeiro 22, 2014

Morreu o pai da gente...
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA

Episódio Nº 18


Durante anos e anos haviam-se encontrado todos os dias, haviam estado juntos todas as noites, com dinheiro ou sem dinheiro, fartos de bem comer ou morrendo de fome, dividindo a bebida, juntos na alegria e na tristeza.

Curió sòmente agora percebia como eram ligados entre si, a morte de Quincas parecia-lhe uma amputação, como se lhe houvessem roubado um braço, uma perna, como se lhe tivessem arrancado um olho.

Aquele olho do coração do qual falava a mãe-de-santo Senhora, dona de toda a sabedoria. Juntos, pensou Curió, deviam chegar ante o corpo de Quincas.

Saiu em busca do negro Pastinha, àquela hora certamente no Largo das Sete Portas, ajudando bicheiros conhecidos, arranjando uns cobres para a cachaça da noite.

Negro Pastinha media quase dois metros, quando estufafa o peito parecia assemelhava um monumento, tão grande e forte era.

Ninguém podia com o negro quando lhe dava a raiva. Felizmente coisa difícil de acontecer, pois negro Pastinha era de natural alegre e bonacheirão.

Encontrou-o no Largo das Sete Portas, como calculara. Lá estava ele sentado na calçada do pequeno mercado, debulhado em lágrimas, segurando uma garrafa quase vazia.

Ao seu lado, solidários na dor e na cachaça, vagabundos diversos faziam coro às suas lamentações e suspiros. Já tivera conhecimento da notícia, compreendeu Curió ao ver a cena.

Negro Pastinha virava um trago, enxugava uma lágrima, urrava em desespero:

 - … Morreu o pai da gente…

 - … pai da gente… - gemiam os outros.

Circulava a garrafa consoladora, cresciam lágrimas nos olhos do negro, crescia seu agudo sofrer:

 - Morreu o homem bom…

 - … homem bom…

De quando em quando um novo elemento incorporava-se à roda, por vezes sem saber do que se tratava. Negro Pastinha estendia-lhe a garrafa, soltava seu grito de apunhalado:

 - Ele era bom…

 - … era bom… - repetiam os demais, menos o novato à espera de uma explicação para os tristes lamentos e a cachaça grátis.

 - Fala também, desgraçado… - Negro Pastinha, sem se levantar, espichava o poderoso braço, sacudia o recém-chegado, um brilho mau nos olhos – Ou tu acha que ele era ruim?

Alguém se apressava a explicar, antes que as coisas se tornassem mal paradas:

 - Foi Quincas Berro Dágua quem morreu.

 - Quincas?... Era bom… - dizia o novo membro do coro, convicto e aterrorizado.

 - Outra garrafa! – reclamava entre soluços, Negro Pastinha.

Um molecote levantava-se ágil, dirigia-se à venda vizinha:

 - Pastinha quer outra garrafa.

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