REVOLUÇÃO
(continuação)
No próximo Oriente,
desde o norte do Mar Vermelho até ao alto do Vale do Eufrates o aparecimento de
um clima quente e húmido provocou uma considerável expansão de cereais
selvagens e os povos do Mesolítico, que é um período entre o Paleolítico e o Neolítico que se
iniciou há 10.000 anos, particularmente por responsabilidade das mulheres, sempre atentas a tudo
quanto pudesse constituir alimento para a família, souberam imediatamente tirar
proveito desse recurso colhendo a maior quantidade possível de espigas maduras
de trigo, centeio ou de cevada.
Os grãos dessas espigas eram leves,
muitas vezes guarnecidos de barbas e na maturidade separavam-se facilmente das
espigas para que o vento pudesse facilmente proceder à sua disseminação no
interesse da propagação da planta.
Ao procederem à apanha, as mulheres,
fizeram contudo, uma selecção involuntária dessas sementes porque acabavam por
levar consigo espigas mutantes cujos grãos eram mais pesados e estavam mais
fortemente agarrados às espigas não se separando facilmente, enquanto os grãos
normais, digamos assim, não mutantes, pelas suas características, dificilmente
chegavam aos acampamentos.
Uma vez aqui ,
muitos deles caem para o chão, germinam e dão origem a campos em que a
variedade mutante, que era mais útil ao homem, estava largamente representada.
Este processo repetido durante
algumas dezenas de anos em locais onde as pequenas comunidades humanas voltam
regularmente para instalar os seus acampamentos sazonais, deu início à
“domesticação” de novas variedades de cereais mais proveitosas para o homem.
Mais tarde, com a fixação permanente
num determinado local, estavam criadas as condições para o aperfeiçoamento de
técnicas elaboradas de preparação do solo, colheita e sementeira.
A agricultura nasceu verdadeiramente
há cerca de 10.000 anos numa região do “Crescente Fértil”, que se estende desde
a Turqui a até Oeste do Irão e foi na
Turqui a, numa zona minúscula de
20x20 Km, situada a 1000
metros de altitude, nas vertentes bem expostas dos
montes vulcânicos do Karacadag, que Jack Harlan, da Universidade do Oklahoma,
localizou em 1966, aquele que foi sem dúvida o primeiro campo de trigo
cultivado.
Na aldeia de Jarno, a nordeste do
Iraque, foi encontrada cevada doméstica com 9.000 anos mas não só cereais
também várias leguminosas tais como o grão, as favas e as lentilhas e um pouco
mais tarde, há 6.000 anos, a pistácia , a oliveira e a vinha.
Os métodos de cultura e as espécies
vegetais domesticadas logo foram levadas, primeiro para o norte da Turqui a, depois para os Balcãs, Danúbio e finalmente
para a Europa ocidental, onde espécies não indígenas são aclimatadas a partir
do VII milénio.
As abóboras, pimentos e feijão
desenvolvem-se largamente no México entre 9 e 6.000 anos atrás, enquanto que o
milho começa a ser cultivado pelo homem no vale de Tehuacan, a partir de há
7.000 anos e os progressos registados nesta cultura são medidos pelo aumento
considerável e progressivo do tamanho das espigas.
Tubérculos como a batata e a mandioca
foram alvo de uma exploração precoce que não deixou vestígios formais.
Na Ásia, dois tipos principais de
cereais, o milho miúdo aos cachos e o arroz foram alvo de uma primeira
domesticação precoce entre os 8.000 e 6.000 anos.
Uma leguminosa, a soja, foi
domesticada na China Setentrional a partir de há 5.000 anos e vários núcleos
humanos no Sudoeste da Ásia desenvolvem economias agrícolas baseadas no
tubérculo inhame e em árvores de fruto como a árvore-do-pão, o coqueiro e a
bananeira.
Em África, a agricultura
desenvolve-se principalmente no Magrebe, bastante tardiamente, 6.000 anos, e
numa orla costeira muito limitada.
No Sara os dados utilizáveis são
pouco numerosos mas é possível que tenha havido grupos semi-nómadas que tenham
explorado cereais, milho miúdo e palmeiras em locais de agrupamento sazonal há
cerca de 7.000 anos.
O sedentarismo e a prática regular da
agricultura acontece de uma forma gradual, progressiva e em épocas diferentes
conforme as regiões.
Tudo começa por acampamentos mais ou
menos permanentes com cabanas provisórias de forma arredondada que são feitas
para durarem cada vez mais graças a um reforço das armações.
Depois, os grupos sedentarizados
aprenderam a substituir os ramos entrançados e os painéis de couro dos grupos
nómadas por muros de sustentação de pedra, de tijolos crus secos ao sol ou de
adobe (terra misturada com palha) suportando um teto feito de colmo ou de
pequenos ramos cobertos com uma espessa camada de argila.
Para economizar espaço passa-se de
instalações circulares disseminadas e distantes umas das outras para planos arqui tecturais rectangulares, mais compactos.
Por fim, os grupos formados por cada vez mais indivíduos têm tendência para se associarem em locais favoráveis dando
origem às primeiras aglomerações que reúnem algumas dezenas de habitações e
abrigam trezentas ou quatrocentas pessoas.
No próximo Oriente, aldeias como
estas cujos vestígios foram encontrados, desenvolveram-se há 9.000 anos nas
actuais Jordânia, Turqui a e Iraque.
As maiores são rodeadas por uma
muralha acompanhada de um fosso evoluindo para cidades-mercado, situadas no
centro de uma rede de várias dezenas de aglomerações de agricultores.
A presença de um templo relativamente
imponente que serve também de entreposto e de local de reunião, o tamanho das
habitações mais ou menos imponentes e bem arranjadas, assim como a natureza
variada dos objectos encontrados, revelam nitidamente que está a desaparecer a
tradição igualitária nestas cidades de 2 a 3.000 habitantes e que se está a instalar,
pela primeira vez, um sistema social hierarqui zado
dominado por uma casta religiosa.
Mais tarde, ao lado desta casta
religiosa e em cidades que se estendem agora já por várias dezenas de hectares
abrigando cerca de 40.000 habitantes, aparece uma aristocracia militar e os
negociantes passam a ter primazia relativamente aos artesãos e agricultores,
isto na região da Suméria e com algum tempo de atraso fenómenos similares
surgem em outras regiões do mundo especialmente no norte da China, no vale do
rio Amarelo.
A população mundial, que não atingia
os 10 milhões no início do Neolítico, há 10.000 anos, com uma taxa de
crescimento da ordem dos 0,001%, 6.000 mais tarde era de 100 milhões com uma
taxa de crescimento de 0,1% ou seja, cem vezes mais.
É que durante o Neolítico os homens
vivem de maneira diferente e sobretudo melhor do que jamais tinham vivido.
São relativamente bem alimentados,
estão muito menos expostos a acidentes mortais, vivem durante mais tempo e
mudam mesmo de aspecto físico uma vez que são mais pequenos que os seus
antepassados do Paleolítico Superior e o dimorfismo sexual entre homens e
mulheres voltou a diminuir, característica que poderia facilmente explicar as
mudanças psíqui cas e sociológicas
que afectam as sociedades humanas.
Na base destas mudanças, há o
sentimento de poder dominar a natureza e a descoberta da individualidade.
O Homem “antigo” o de Cro-Magnon,
vivia num mundo de sensações e de intuições e identificava-se espontaneamente
com a sua tribo.
O Homem do Neolítico descobre que é
um indivíduo capaz de influenciar o curso dos acontecimentos. A mudança é
vertiginosa e leva, com algum optimismo, o etnólogo Claude Levi-Strauss a
afirmar que após mais de 2 milhões de anos muito difíceis, tendo chegado mesmo
à beira da extinção, a humanidade encontrou finalmente os Jardins de Éden e a
esse estado feliz, o cândido Rousseau, chamava “justo meio entre a indolência
do estado primitivo e a petulante actividade do nosso amor próprio”.
Mas o género humano não era feito
para viver “no justo meio” e essa “idade de ouro” que poderia ser representada
pelo começo do Neolítico não durou muito tempo se é que esse período alguma vez
mereceu essa denominação.
Nas grandes cidades-Estado e nas
aldeias que elas governam organiza-se, manifestamente, a exploração do homem
pelo homem e só de uma forma aparentemente paradoxal é que esta revolução
social coincide com a descoberta da escrita cujo papel principal foi
estabelecer inventários, recenseamentos e leis.
Acabou a pré-história, começou a
história e o homem foi o único ser vivo capaz de acrescentar uma história à sua
evolução biológica e é por isso que o podemos considerar verdadeiramente
excepcional.
Mas é uma história de ambição, de
desequi líbrios, de desigualdades…
O Homem, “homo” que se tinha, talvez,
tornado sábio, “sapiens” qui s além
disso, tornar-se sapiente, “sapiens sapiens”. Por vezes para as coisas boas, mas muito mais vezes para as más.
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