quarta-feira, janeiro 08, 2014

Era meu pai.
A MORTE  E

A MORTE DE

QUINCAS

BERRO

DÁGUA

Episódio Nº 6




Procurou onde sentar. Tudo que havia, além do catre, era um caixote de querosene vazio. Vanda o pôs de pé, soprou a poeira, sentou-se. Quanto tempo demoraria o médico a chegar?

E Leonardo? Imaginou o marido cheio de dedos na Repartição, explicando ao chefe a inesperada morte do sogro. O chefe de Leonardo conhecera Joaquim nos bons tempos da Mesa de Rendas.

E quem não o conhecera então, quem não lhe tinha consideração, quem poderia imaginar o seu destino? Para Leonardo seriam momentos difíceis, comentando com o chefe as loucuras do velho, buscando explicações para elas.

O pior seria se a notícia se espalhasse entre os colegas, murmurada de mesa em mesa, enchendo as bocas de risinhos maledicentes, de piadas grosseiras, de comentários de mau gosto.

Era uma cruz aquele pai, transformara as suas vidas num calvário, estavam agora no cimo do morro, era ter um pouco mais de paciência.

Com o rabo do olho, Vanda espiou o morto. Lá estava ele sorrindo, achando tudo aquilo infinitivamente engraçado.

É pecado ter raiva de um morto, ainda mais se esse morto é o pai da gente.

Vanda conteve-se, era pessoa religiosa, frequentava a Igreja do Bonfim, um pouco espírita também, acreditava na reincarnação.

Além do mais, agora pouco importava o sorriso de Quincas. Era ela finalmente quem mandava e dentro em pouco ele voltaria a ser o pacato Joaquim Soares da Cunha, irrepreensível cidadão.

O santeiro entrou com o médico, rapaz jovem, certamente recém-formado, pois ainda se dava ao trabalho de representar o profissional competente.

O santeiro apontou o morto, o médico cumprimentou Vanda, abriu a maleta de couro brilhante. Vanda levantou-se, afastando o caixão de querosene.

 - De que morreu?

Foi o santeiro que explicou:

 - Foi encontrado morto, assim como está.

 - Sofria alguma enfermidade?

 - Não sei, não senhor. Conheço ele há uns dez anos e sempre sadio como um boi. A não ser que o doutor…

 - O quê?

 - … chame cachaça de doença. Virava um bocado, era bom no trago.

Vanda tossiu, repreensiva. O doutor dirigiu-se a ela:

 - Era empregado da senhora?

Houve um silêncio breve e pesado. A voz veio de longe:

 - Era meu pai.

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