Negro Pastinha dormia um ronco medonho |
A MORTE E
A MORTE
A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 24
Vanda repreendeu-a com os olhos: por que conversava com aquele canalha? Mas, tendo restabelecido o respeito, Vanda sentia-se melhor. Expulsara para um canto do quarto os vagabundos, impusera-lhes silêncio.
Afinal não lhe seria possível passar a noite
ali. Nem ela nem tia Marocas. Tivera uma vaga esperança, a começo de que os
indecentes amigos de Quincas não demorassem, no velório não havia nem bebida
nem comida.
Não sabia por que ainda estavam no quarto, não
havia de ser por amizade ao morto, essa gente não tem amizade a ninguém. De
qualquer maneira, mesmo a incómoda presença de tais amigos não tinha
importância. Desde que eles não acompanhassem o enterro, no dia seguinte.
Pela manhã, ao voltar para os funerais, ela,
Vanda, recuperaria a direcção dos acontecimentos, a família estaria outra vez a
sós com o cadáver, enterrariam Joaqui m
Soares da Cunha com modéstia e dignidade. Levantou-se da cadeira,
– Vamos.
E para Leonardo:
– Não fique até muito tarde, você não
pode perder noite. Tio Eduardo já disse que ficaria a noite toda. Eduardo,
apossando-se da cadeira, concordou. Leonardo foi acompanhá-las até o bonde.
Cabo Martim arriscou uma boa noite, madamas, não obteve resposta.
Só a luz das velas iluminava o quarto. Negro
Pastinha dormia, um ronco medonho.
X
ÀS dez horas da noite, Leonardo levantando-se do caixão de querosene,
aproximou-se das velas, viu as horas. Acordou Eduardo a dormir de boca aberta,
incómodo, na cadeira:
– Vou embora. Às seis da manhã estarei de volta para você ter tempo de
ir em casa mudar a roupa.
Eduardo estirou as pernas, pensou em sua cama. Doía-lhe o pescoço. No
canto do quarto, Curió, Pé-de-Vento e Cabo Martim conversavam em voz baixa,
numa discussão apaixonante: qual deles substituiria Quincas no coração e no
leito de Quitéria do Olho Arregalado?
Cabo Martim, revelando um egoísmo revoltante, não aceitava ser riscado
da lista de herdeiros pelo fato de possuir o coração e o corpo esbelto da
negrinha Carmela.
Eduardo, quando o eco dos passos
de Leonardo perdeu-se na rua, fitou o grupo. A discussão parou, Cabo Martim
sorriu para o comerciante. Este olhava, invejoso, Negro Pastinha no melhor dos
sonos. Acomodou-se novamente na cadeira, pôs os pés sobre o caixão de
querosene.
Doía-lhe o pescoço. Pé-de-Vento
não resistiu, retirou a jia do bolso, colocou-a no chão. Ela saltou, era
engraçada. Parecia uma assombração solta no quarto. Eduardo não conseguia
dormir. Olhou o morto no caixão, imóvel. Era o único a estar comodamente
deitado. Por que diabo estava ele ali, fazendo sentinela? Não era suficiente
vir ao enterro, não estava pagando parte das despesas?
Cumpria seu dever de irmão até bem demais em se tratando de um irmão
como Quincas, um incómodo em sua vida.
Levantou-se, movimentou pernas e braços, abriu a boca num bocejo.
Pé-de-Vento escondia na mão a pequena jia verde. Curió pensava em Quitéria do
Olho Arregalado.
Mulher e tanto... Eduardo parou ante eles:
– Me digam uma coisa...
Cabo Martim, psicólogo por vocação e necessidade, perfilou-se:
– Às suas ordens, meu comandante.
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