quarta-feira, janeiro 29, 2014

Negro Pastinha dormia um ronco medonho
A MORTE E

A MORTE

DE QUINCAS

BERRO

DÁGUA



Episódio Nº 24


Vanda repreendeu-a com os olhos: por que conversava com aquele canalha? Mas, tendo restabelecido o respeito, Vanda sentia-se melhor. Expulsara para um canto do quarto os vagabundos, impusera-lhes silêncio.

 Afinal não lhe seria possível passar a noite ali. Nem ela nem tia Marocas. Tivera uma vaga esperança, a começo de que os indecentes amigos de Quincas não demorassem, no velório não havia nem bebida nem comida.

 Não sabia por que ainda estavam no quarto, não havia de ser por amizade ao morto, essa gente não tem amizade a ninguém. De qualquer maneira, mesmo a incómoda presença de tais amigos não tinha importância. Desde que eles não acompanhassem o enterro, no dia seguinte.

 Pela manhã, ao voltar para os funerais, ela, Vanda, recuperaria a direcção dos acontecimentos, a família estaria outra vez a sós com o cadáver, enterrariam Joaquim Soares da Cunha com modéstia e dignidade. Levantou-se da cadeira,

– Vamos.

E para Leonardo:

– Não fique até muito tarde, você não pode perder noite. Tio Eduardo já disse que ficaria a noite toda. Eduardo, apossando-se da cadeira, concordou. Leonardo foi acompanhá-las até o bonde. Cabo Martim arriscou uma boa noite, madamas, não obteve resposta.

 Só a luz das velas iluminava o quarto. Negro Pastinha dormia, um ronco medonho.

X

ÀS dez horas da noite, Leonardo levantando-se do caixão de querosene, aproximou-se das velas, viu as horas. Acordou Eduardo a dormir de boca aberta, incómodo, na cadeira:

– Vou embora. Às seis da manhã estarei de volta para você ter tempo de ir em casa mudar a roupa.

Eduardo estirou as pernas, pensou em sua cama. Doía-lhe o pescoço. No canto do quarto, Curió, Pé-de-Vento e Cabo Martim conversavam em voz baixa, numa discussão apaixonante: qual deles substituiria Quincas no coração e no leito de Quitéria do Olho Arregalado?

Cabo Martim, revelando um egoísmo revoltante, não aceitava ser riscado da lista de herdeiros pelo fato de possuir o coração e o corpo esbelto da negrinha Carmela.

 Eduardo, quando o eco dos passos de Leonardo perdeu-se na rua, fitou o grupo. A discussão parou, Cabo Martim sorriu para o comerciante. Este olhava, invejoso, Negro Pastinha no melhor dos sonos. Acomodou-se novamente na cadeira, pôs os pés sobre o caixão de querosene.

 Doía-lhe o pescoço. Pé-de-Vento não resistiu, retirou a jia do bolso, colocou-a no chão. Ela saltou, era engraçada. Parecia uma assombração solta no quarto. Eduardo não conseguia dormir. Olhou o morto no caixão, imóvel. Era o único a estar comodamente deitado. Por que diabo estava ele ali, fazendo sentinela? Não era suficiente vir ao enterro, não estava pagando parte das despesas?

Cumpria seu dever de irmão até bem demais em se tratando de um irmão como Quincas, um incómodo em sua vida.

Levantou-se, movimentou pernas e braços, abriu a boca num bocejo. Pé-de-Vento escondia na mão a pequena jia verde. Curió pensava em Quitéria do Olho Arregalado.

Mulher e tanto... Eduardo parou ante eles:

– Me digam uma coisa...

Cabo Martim, psicólogo por vocação e necessidade, perfilou-se:

– Às suas ordens, meu comandante.

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