quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Ela adora ouvir histórias...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 10










- Essa gente do mar, em cada porto uma mulher... - pronunciou Emílio Fagundes com certa inveja.

- Basta olhar para ele e logo se vê o homem de acção - disse Rui Pessoa, aposentado da Mesa de Rendas Estadual.

Zequínha Curvelo, na mão o livro em cuja capa colorida o bravo marinheiro envergava um paletó parecido com o do comandante, resumia aquelas primeiras impressões:

- Um herói, meus amigos, vivendo entre nós.

Caía a tarde, sem pressa, lentamente, igual à vida em Periperi

- Lá vem ele... - anunciou alguém.

Voltaram-se todos, nervosos. Num passo vagaroso e digno, de homem acostumado a cruzar os tombadilhos na longa solidão do mar, adiantava-se o comandante pela rua, vestido com seu paletó marítimo, o cachimbo na boca, e, sobre os revoltos cabelos, um boné ornado com uma âncora, ainda não visto antes.

Fitava o infinito, ia certamente com suas recordações, seus marinheiros mortos, suas mulheres abandonadas nos perdidos portos. Ao passar à altura do grupo, levou a mão ao boné numa saudação, efusivamente respondida. E o silêncio se fez, acompanhando-o em sua caminhada. Inquieto, Zequinha Curvelo não resistiu:

- Vou puxar conversa. . .

- Vê se traz o homem aqui para uma prosinha . ..

- Vou ver se consigo.

Partiu em passos rápidos, alcançou o comandante.

- Esse homem deve ser uma enciclopédia. . . - disse o Marreco.

Voltaram o comandante e Zequinha, agora em direcção ao grupo. Zequinha apontava os vizinhos, estaria anunciando nomes e títulos.

- Vem para cá...

Levantavam-se das cadeiras e bancos, animados. Zequinha começou a fazer as apresentações, o comandante apertava as mãos:

- Um velho marinheiro, às ordens. . .

Ofereceram-lhe a imponente cadeira de braços do velho José Paulo. Sentou-se entre seus vizinhos, puxou uma baforada do cachimbo (todos os olhos fixos no cachimbo onde os seios e as coxas nuas da mulher eram uma sugestão de volúpias raras), confidenciou com sua voz um pouco rouca:

- Vim morar aqui porque nunca vi dois lugares tão parecidos no mundo como Periperi e Rasmat, uma ilha do Pacífico onde vivi uns meses...

- Veraneando?

Sorriu o comandante:

- Como náufrago ... Nesse tempo eu ainda era segundo-piloto e embarcara num navio grego. . .

- Seu Comandante, por favor, um momento, um momento. . . 

Espere um minuto antes de começar... - era Augusto Ramos quem interrompia. - Deixe primeiro eu chamar minha mulher. Ela adora ouvir histórias.

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