quarta-feira, março 19, 2014

A bebida corria na mesa, aqueles fregueses não mediam despesa.
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 33











O Coronel Pedro de Alencar, fluminense, viúvo sem filhos, comandava o 199 Batalhão de Caçadores sediado na cidade. O Capitão-de-Fragata Georges Dias Nadreau, capitão-dos-portos, filho de pai francês e mãe mineira, era doido por um poker, uma boa negra e uma pilhéria divertida.

 Vivia a inventar brincadeiras com os amigos, algumas pesadas, mas era o mais leal dos companheiros quando a ocasião se apresentava. Fora ele quem fizera desenhar, emoldurar e pendurar na Pensão Monte Carlo um dístico onde se lia: “O CABARÉ é O LAR DOS BOÉMIOS”.

Dr. Jerónimo de Paiva, rapaz de seus trinta e poucos -anos, advogado sem clientela e jornalista desconhecido no Rio, viera para a Baía trazido pelo parente governador para quem escrevia os discursos. Chefe de gabinete, gozava do maior prestígio.

Pretendia fazer política, sair deputado federal na próxima legislatura. O Tenente Lídio Marinho, ajudante-de-ordens no Palácio, era o suspirado partido de todas as moças casadoiras da cidade.

 Filho do famoso Coronel Américo Marinho, senhor feudal das barrancas do São Francisco e senador estadual, as moças espiavam-no pelas frestas das janelas, suspirando, quando ele passava garboso em seu uniforme; sonhavam dançar com o tenente nos bailes e assustados. Brigão e romântico, era Lídir igualmente o ai-jesus do mulherio dos castelos e pensões onde se sucediam seus casos.

E, finalmente, “seu” Vasco Moscoso de Aragão, o Aragãozinho, chefe da firma Moscoso & Cia. Ltda., uma das mais poderosas da cidade baixa, vendendo charque, bacalhau, vinhos, manteiga, queijo do reino, batata-inglesa, produtos os mais diversos, a todo o recôncavo, sul e sertão da Baía, penetrando em Sergipe e Alagoas, com uma legião de viajantes. Vasco Moscoso de Aragão era considerado uma das mais belas fortunas do comércio baiano, sua firma uma das mais conceituadas e sólidas.

A bebida corria na mesa, aqueles fregueses não mediam despesa. Posição e dinheiro não lhes faltavam. Carol, entre eles, sentia-se um pouco no poder, como se ela também pertencesse aos meios oficiais e ao alto comércio, familiar do Palácio e dos bancos, mandando na vida do Estado. Pois não lhe frequentava o leito sábio o Dr. Jerónimo, desde jovenzinho atraído por mulheres assim maduras, experientes e gordas?

Quando Georges pilheriava, o chefe de gabinete respondia:

- Não sou cachorro para roer ossos. Não gosto também de fruta verde. Carol tem seus mistérios...

Seus mistérios: a sabedoria da experiência imensa. E seu prestígio: não já havia feito nomear um sobrinho para a Imprensa Oficial, filho de sua irmã mais moça, uma casada em Garanhuns, cujo marido vivia a injuriar a cunhada perdida?

 Um simples pedido a Jerónimo, em noite de delírio e bastara. Promovia soldados a cabo, botava protegidos na escola de aprendizes de marinheiro, filhos de gente pobre, afilhados seus.

Tinha o aval de Aragãozinho toda a vez que necessitava levantar dinheiro em banco para comprar mais uma casa de aluguel. Para os bailes de Palácio, quando ali se reunia toda a sociedade baiana, Carol traçava o menu, fornecia a bebida, e eram os garçons da Pensão Monte Carlo os contratados para servir os austeros senhores e as virtuosas senhoras.

Discretamente, ela mandava e desmandava, até políticos do interior vinham cortejá-la e pedir-lhe protecção. Àquela pequena Carolina de Garanhuns, uma noite quase suicida nas pontes do Recife, hoje coberta de jóias na Praça do Teatro, em Salvador da Baía. Sorrindo na mesa para os cinco senhores.


Da firma Moscoso & Cia., Lda., capítulo comercial com uma ponta de tristeza


A firma fora fundada pelo velho Moscoso, avô materno de Vasco, e logo conhecera a prosperidade e o crédito. Era esse José Moscoso um lusitano de visão comercial e rígidos princípios, cuja palavra valia mais do que documento assinado.

 Durante cinquenta anos vivera exclusivamente para sua firma, de casa para o trabalho, mourejando como o último dos empregados, “dando o exemplo”, indiferente ao conforto e às diversões, sóbrio no comer, no vestir e no amar. Na esposa fizera apenas uma filha e, viúvo, contentava-se com a preta cozinheira, vez por outra.

Vasco o substituíra na chefia da empresa que, naqueles cinquenta anos, crescera de um modesto escritório para um prédio de três andares ao pé da Ladeira da Montanha.

No último andar dormiam os empregados e, em quartos melhores, os bons fregueses do interior de passagem pela capital. Ali também comiam, não havia horário para o trabalho, nem domingos e feriados. 

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