A glória recente e retumbante do capitão enchia Periperi... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 18
Aquela lua-de-mel do comandante com
Periperi, sem nuvens no céu de infinito azul, durou mais ou menos um mês. Talvez
pudesse prolongar-se bem mais tempo se não houvesse regressado da cidade, onde
passava uns meses com o filho advogado, o velho Chico Pacheco, ex-fiscal de
consumo, morador ali há mais de dez anos, uma espécie de dono da terra.
Já falei acerca de seu carácter: qui zilento e arreliento, má-língua, homem da dúvida
e da malícia, cheio de arestas. Fora aposentado antes de tempo, devido a
perseguições administradas, andara se envolvendo em política, na oposição.
Dizia-se vítima de inimigos poderosos, vinha movendo há anos uma acção contra o
Estado.
Em parte conseguira sucesso, obtendo
substancial aumento em sua aposentadoria, mas continuava, teimoso, querendo
receber, por via judicial, um dinheirão do governo.
Esse processo era dos assuntos mais
comentados de Periperi, assentava-se nele, em suas peripécias, grande parte do
prestígio de Chico Pacheco. Sua volta de constantes viagens à Baía, onde se
demorava em casa do filho para acompanhar a marcha do processo, era uma festa
para os aposentados e retirados dos negócios.
Chico Pacheco amava narrar os pormenores
da questão, agora no Superior Tribunal de Justiça, e sabia fazê-lo. Desabafava
contra desembargadores, arrasava burocratas e políticos, conhecia minudências
da vida de magistrados, procuradores, advogados, de todos aqueles que, por um
ou outro motivo, tinham qualquer interferência no caso. Era um repositório de
anedotas, de malignidades, de divertidas misérias.
O seu interminável processo pertencia,
em realidade, a toda a população de Periperi. Solidários com Chico Pacheco, os
aposentados e retirados dos negócios revoltavam-se quando uma petição qualquer
do inimigo entravava a marcha dos autos, quando um pedido de vistas adiava uma
decisão.
A senhora de Augusto Ramos, aquela apreciadora
de histórias, fizera mesmo uma promessa ao Senhor do Bonfim: mandaria rezar
missa em sua igreja se Chico Pacheco triunfasse.
Pena não habitar ali, naquele tempo, o
Meritíssimo Dr. Siqueira. Que grande ajuda não poderia ele prestar, não só a
Chico, como a toda a população, com seus conhecimentos, suas luzes...
Uma festa monumental, planejada nas
tardes longas, comemoraria a vitória, Chico Pacheco prometia abrir champanhe
quando recebesse a bolada.
Daquela vez ele voltava amargurado. Tudo
parecia em vésperas de uma solução, o processo em pauta, quando o Estado
entrara com novas petições, e o julgamento ficara adiado, “para as calendas
gregas”, como disse ele, ao saltar, ao chefe da estação.
Desembarcou repleto de histórias, de anedotas,
de revelações contra juízes e advogados, um mundo de novidades. Necessitando,
ao mesmo tempo, da atenção solidária e animadora dos vizinhos e amigos. E
encontrou-se atirado a um segundo plano inaceitável: a glória recente e
retumbante do capitão-de-longo-curso enchia Periperi de ponta a ponta, seu nome
em todas as bocas, seus feitos glosados a cada instante.
De que valiam as tricas de um processo a
eternizar-se no fórum, ao lado das histórias de naufrágios, tempestades,
amores? Como comparar-se “sub judice” com Hong-Kong ou Honolulu? Sem falar no
telescópio, na roda do leme, no cronógrafo.
- Sabe o que é um cronógrafo, seu Chico
Pacheco?
- Nem quero saber ... Vou-lhe contar a
sujeira do Desembargador Pitanga, aquele que a mulher pariu sete filhos, de
sete pais diferentes. Esse rei dos cornudos...
- Você precisa ver a colecção de
cachimbos. Vai até esquecer a sua questão ...
E assim por diante. Investia Chico
Pacheco com seu processo, respondiam-lhe com cartas geográficas, dançarinas
árabes, marinheiros bêbados. Falava de um recurso interposto, contestavam-lhe
com uma aventura do comandante.
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