Dividiu-se o subúrbio, terminou-se a antiga paz... |
OS VELHOS
MARINHEIRO
Entre os primeiros, Adriano
Meira, entre os últimos Zequi nha
Curvelo, no meio deles, tentando conciliá-los, o velho José Paulo, o estimado
Marreco.
Conciliação difícil, talvez impossível, pois a polémica atingiu uma
aspereza antes desconhecida em Periperi. Exaltaram-se
os ânimos, as posições eram irredutíveis, velhos amigos deixaram de
cumprimentar-se, por pouco Chico Pacheco e Zequi nha
Curvelo não se atracam a bofetadas. Dividiu-se o subúrbio, terminou-se a antiga
paz celebrada até nos jornais da capital. A paixão, como um vendaval, varreu
Periperi.
Com sua caderneta na mão, Chico Pacheco repetia suas descobertas, sua
espantosa história. A história datava do começo do século, do governo José
Marcelino.
SEGUNDO EPISÓDIO
FIEL E COMPLETA REPRODUÇÃO DA NARRATIVA
DE CHICO PACHECO, APRESENTANDO SUBSTANCIOSO QUADRO DOS COSTUMES E DA VIDA DA
CIDADE DE SALVADOR NOS COMEÇOS DO SÉCULO, COM ILUSTRES FIGURAS DO GOVERNO E
RICOS COMERCIANTES, ENJOADAS DONZELAS E EXCELENTES RAPARIGAS
Da Pensão Monte Carlo e dos cinco
senhores importantes
Faiscante de jóias: anéis nos dedos, colares ao colo, diadema nos
cabelos, pingentes nas orelhas, arrastando a cauda do vestido de noite, o busto
volumoso empinado no corpete, a boca entreaberta num sorriso, Carol
precipitou-se, ao vê-los surgir no topo da escada:
- Até que enfim... Pensei que não vinham hoje.
Carregava com garbo seus cinquenta e seis anos bem vividos e a gordura
contra a qual lutara inutilmente: viera com a idade e com as economias bem
empregadas em apólices e imóveis.
Vitoriosa carreira, feita de trabalho e penas, quarenta anos em casas
de mulheres, como pensionista primeiro, depois como proprietária, desde aquele
dia remoto quando um caixeiro-viajante, de passagem por Garanhuns, levou-a
consigo, iludindo-a, com sua lábia e seus modos de cidade grande,
prometendo-lhe mundos e fundos.
E isso para largá-la uma semana depois, em Recife, menina de dezasseis
anos, sem tostão, sem conhecidos, sem experiência, vagando entre as pontes, a
fitar as águas do rio como um caminho.
Em certas tardes tranqui las,
Carol, estendida na cadeira austríaca de balanço como um trono na sala de
jantar, a caixa de jóias sobre as coxas fartas, rememorara aquela noite dilacerante:
a pequena Carolina desonrada, um nó na garganta e um tremor nas pernas, perdida
nas ruas e no terror da cidade, tentada pelas águas do Capibaribe.
Tomava dos anéis de brilhante, do colar de pérolas verdadeiras, dos
broches e pulseiras, esmeraldas e topázios, e relembrava aquela noite quando
foram seus todo o cansaço e todo o medo.
Virara Carol logo depois e agora pode sorrir ao recordar as horas
suicidas e o caixeiro-viajante. Parecera-lhe um príncipe de contos de fada ao
surgir em Garanhuns com suas malas de amostras e sua conversa fiada: era apenas
um pobre-diabo, sem riqueza e sem sedução.
Príncipes eram aqueles moços que agora subiam as escadas da Pensão
Monte Carlo, num amplo primeiro andar da Praça do Teatro, a mais elegante e
luxuosa pensão de mulheres da vida da cidade da Bahia, propriedade única e
exclusiva de Carolina da Silva Medeiros, mais conhecida como Carol Língua de
Ouro.
Os cinco rapazes, vestidos todos de brim branco HJ, elegantes chapéus
de palhinha, elegantes bengalas, polainas e bigodes frisados, vibrantes e
ruidosos cercaram-na numa efusão de abraços e beijos, gracejos e galanteios:
- Salve a nossa Soberana e Senhora! - curvou-se um homem alto,
quarentão saudável, pele bronzeada, cabelo cortado rente.
- Quanta honra, Coronel. Entre, que a casa é sua.
Dobrava-se aos pés de Carol, em cómica mesura, um cavalheiro forte e
simpático, muito loiro, de maliciosos olhos azuis:
- Curvo-me a seus pés, dona do meu coração.. .
- Não minta, Comandante, conheço a dona de seu coração . . .
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home