segunda-feira, março 17, 2014

Dividiu-se o subúrbio, terminou-se a antiga paz...
OS VELHOS
MARINHEIRO

Episódio Nº 31











Entre os primeiros, Adriano Meira, entre os últimos Zequinha Curvelo, no meio deles, tentando conciliá-los, o velho José Paulo, o estimado Marreco.

Conciliação difícil, talvez impossível, pois a polémica atingiu uma aspereza antes desconhecida em Periperi. Exaltaram-se os ânimos, as posições eram irredutíveis, velhos amigos deixaram de cumprimentar-se, por pouco Chico Pacheco e Zequinha Curvelo não se atracam a bofetadas. Dividiu-se o subúrbio, terminou-se a antiga paz celebrada até nos jornais da capital. A paixão, como um vendaval, varreu Periperi.

Com sua caderneta na mão, Chico Pacheco repetia suas descobertas, sua espantosa história. A história datava do começo do século, do governo José Marcelino.


 SEGUNDO EPISÓDIO


FIEL E COMPLETA REPRODUÇÃO DA NARRATIVA DE CHICO PACHECO, APRESENTANDO SUBSTANCIOSO QUADRO DOS COSTUMES E DA VIDA DA CIDADE DE SALVADOR NOS COMEÇOS DO SÉCULO, COM ILUSTRES FIGURAS DO GOVERNO E RICOS COMERCIANTES, ENJOADAS DONZELAS E EXCELENTES RAPARIGAS


Da Pensão Monte Carlo e dos cinco senhores importantes


Faiscante de jóias: anéis nos dedos, colares ao colo, diadema nos cabelos, pingentes nas orelhas, arrastando a cauda do vestido de noite, o busto volumoso empinado no corpete, a boca entreaberta num sorriso, Carol precipitou-se, ao vê-los surgir no topo da escada:

- Até que enfim... Pensei que não vinham hoje.

Carregava com garbo seus cinquenta e seis anos bem vividos e a gordura contra a qual lutara inutilmente: viera com a idade e com as economias bem empregadas em apólices e imóveis.

Vitoriosa carreira, feita de trabalho e penas, quarenta anos em casas de mulheres, como pensionista primeiro, depois como proprietária, desde aquele dia remoto quando um caixeiro-viajante, de passagem por Garanhuns, levou-a consigo, iludindo-a, com sua lábia e seus modos de cidade grande, prometendo-lhe mundos e fundos.

E isso para largá-la uma semana depois, em Recife, menina de dezasseis anos, sem tostão, sem conhecidos, sem experiência, vagando entre as pontes, a fitar as águas do rio como um caminho.

Em certas tardes tranquilas, Carol, estendida na cadeira austríaca de balanço como um trono na sala de jantar, a caixa de jóias sobre as coxas fartas, rememorara aquela noite dilacerante: a pequena Carolina desonrada, um nó na garganta e um tremor nas pernas, perdida nas ruas e no terror da cidade, tentada pelas águas do Capibaribe.

Tomava dos anéis de brilhante, do colar de pérolas verdadeiras, dos broches e pulseiras, esmeraldas e topázios, e relembrava aquela noite quando foram seus todo o cansaço e todo o medo.

Virara Carol logo depois e agora pode sorrir ao recordar as horas suicidas e o caixeiro-viajante. Parecera-lhe um príncipe de contos de fada ao surgir em Garanhuns com suas malas de amostras e sua conversa fiada: era apenas um pobre-diabo, sem riqueza e sem sedução.

Príncipes eram aqueles moços que agora subiam as escadas da Pensão Monte Carlo, num amplo primeiro andar da Praça do Teatro, a mais elegante e luxuosa pensão de mulheres da vida da cidade da Bahia, propriedade única e exclusiva de Carolina da Silva Medeiros, mais conhecida como Carol Língua de Ouro.

Os cinco rapazes, vestidos todos de brim branco HJ, elegantes chapéus de palhinha, elegantes bengalas, polainas e bigodes frisados, vibrantes e ruidosos cercaram-na numa efusão de abraços e beijos, gracejos e galanteios:

- Salve a nossa Soberana e Senhora! - curvou-se um homem alto, quarentão saudável, pele bronzeada, cabelo cortado rente.

- Quanta honra, Coronel. Entre, que a casa é sua.

Dobrava-se aos pés de Carol, em cómica mesura, um cavalheiro forte e simpático, muito loiro, de maliciosos olhos azuis:

- Curvo-me a seus pés, dona do meu coração.. .

- Não minta, Comandante, conheço a dona de seu coração . . .

- Mais bela do que nunca... - dizia o terceiro a beijar-lhe a mão de anéis, experiente de carícias.

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