sexta-feira, março 28, 2014

Durante algum tempo pensou tratar-se de mal de amor...
VELHOS

 MARINHEIROS

Episódio nº 41










O Comandante Georges Dias Nadreau amava ver, a seu redor, caras alegres. Resolveu investigar a secreta causa daquela inexplicável mágoa e descobrir, ao mesmo tempo, o remédio apropriado, capaz de desanuviar o rosto do amigo.

Durante algum tempo pensou tratar-se de mal de amor, dor-de-cotovelo, ferida a cicatrizar com o tempo, com nova paixão, Dorothy, por exemplo.

Vasco andara demonstrando interesse, recentemente, por uma senhorita da sociedade, apresentação em festa do Palácio, filha casadoira de um desembargador, pernosticismo a atender por Madalena Pontes Mendes.

Alarmava-se Georges: como uma espevitada e enjoada donzela, dura como um pau e com uma cara de quem está sentindo cheiro de merda em toda parte, podia afectar assim um homem equilibrado, conhecedor de mulheres, tirando-lhe a alegria de viver?

Um absurdo, mas de absurdos é feito o universo, cada vez se convencia mais.

- Essa tal Madalena me dá ânsias de vómito ... - dizia o capitão dos portos ao coronel comandante do 19 - É uma lambisgóia . ..

Sua esperança de cura para Vasco repousava em Dorothy, naqueles olhos de labareda, naqueles lábios de beijos, mulher com sede de amor (“basta olhar a cara dela e se vê logo”), necessitando macho capaz de cavalgá-la nos campos da noite e galopar até às fronteiras da aurora, além do sono e do cansaço.

- Aquela sim, merece uma dor de cabeça... Mas penar por uma lesma cheia de si é idiota.

Na opinião preocupada de Georges, Vasco precisava resolver de uma vez o caso com Dorothy. Sobre o assunto conversou longamente com Carol.


Da realidade e do sonho, a propósito de títulos e patentes


Sim, algo tinha a ver Madalena Pontes Mendes e seu torcido nariz suficiente com a secreta mágoa de Vasco Moscoso de Aragão. Não se tratava, porém, de mal de amor, dor-de-corno, paixão não correspondida como imaginara o Comandante Nadreau.

Se alimentara o comerciante alguma intenção matrimonial relativa à áspera donzela, jamais seu coração pulsara desregrado ao vê-la snobe e descarnada, jamais fechou os olhos para sonhá-la nua, e mais tempo e respeito devotava ao pai desembargador e asmático e à mãe descendente de barões do que à filha emproada.

Qualquer projecto de casamento, se o teve, veio-lhe à mente como parte de um plano capaz de entrosá-lo por completo naquela alta sociedade baiana, de brasões e títulos, naquela fechada cúpula social.

Mas, se isso em verdade lhe passou pela cabeça virada com a súbita mudança de ambiente, com as luzes do Palácio, a proximidade do Governador, a elegância daquelas Excelentíssimas Senhoras, não chegou sequer a concretizar-se num propósito definido. Foi tudo vago e de pequena duração, uma ideia fugaz, amargo dissabor.

Pensara num casamento ilustre a ligar seu nome honrado e plebeu, cheirando a bacalhau e carne-seca, com um altissonante sobrenome daquela nobreza local perfumada do sangue recente dos escravos, um bocado arruinada com a abolição.

Calculista sem experiência, pousara os olhos em Madalena Pontes Mendes, com um barão na família materna e cartas de Pedro II no arquivo do avô paterno, legislador douto, com muita empatia e fazenda decadente.

 Embandeirou-se, cortejando os pais e rondando a moça.

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