Durante algum tempo pensou tratar-se de mal de amor... |
VELHOS
MARINHEIROS
Episódio nº 41
O Comandante Georges Dias Nadreau amava
ver, a seu redor, caras alegres. Resolveu investigar a secreta causa daquela
inexplicável mágoa e descobrir, ao mesmo tempo, o remédio apropriado, capaz de
desanuviar o rosto do amigo.
Durante algum tempo pensou tratar-se de mal de
amor, dor-de-cotovelo, ferida a cicatrizar com o tempo, com nova paixão,
Dorothy, por exemplo.
Vasco andara demonstrando interesse,
recentemente, por uma senhorita da sociedade, apresentação em festa do Palácio,
filha casadoira de um desembargador, pernosticismo a atender por Madalena
Pontes Mendes.
Alarmava-se Georges: como uma espevitada
e enjoada donzela, dura como um pau e com uma cara de quem está sentindo cheiro
de merda em toda parte, podia afectar assim um homem equi librado,
conhecedor de mulheres, tirando-lhe a alegria de viver?
Um absurdo, mas de absurdos é feito o
universo, cada vez se convencia mais.
- Essa tal Madalena me dá ânsias de vómito
... - dizia o capitão dos portos ao coronel comandante do 19 - É uma lambisgóia
. ..
Sua esperança de cura para Vasco
repousava em Dorothy, naqueles olhos de labareda, naqueles lábios de beijos,
mulher com sede de amor (“basta olhar a cara dela e se vê logo”), necessitando
macho capaz de cavalgá-la nos campos da noite e galopar até às fronteiras da
aurora, além do sono e do cansaço.
- Aquela sim, merece uma dor de
cabeça... Mas penar por uma lesma cheia de si é idiota.
Na opinião preocupada de Georges, Vasco
precisava resolver de uma vez o caso com Dorothy. Sobre o assunto conversou
longamente com Carol.
Da realidade e do sonho, a
propósito de títulos e patentes
Sim, algo tinha a ver Madalena Pontes
Mendes e seu torcido nariz suficiente com a secreta mágoa de Vasco Moscoso de
Aragão. Não se tratava, porém, de mal de amor, dor-de-corno, paixão não
correspondida como imaginara o Comandante Nadreau.
Se alimentara o comerciante alguma intenção
matrimonial relativa à áspera donzela, jamais seu coração pulsara desregrado ao
vê-la snobe e descarnada, jamais fechou os olhos para sonhá-la nua, e mais
tempo e respeito devotava ao pai desembargador e asmático e à mãe descendente
de barões do que à filha emproada.
Qualquer projecto de casamento, se o
teve, veio-lhe à mente como parte de um plano capaz de entrosá-lo por completo
naquela alta sociedade baiana, de brasões e títulos, naquela fechada cúpula
social.
Mas, se isso em verdade lhe passou pela
cabeça virada com a súbita mudança de ambiente, com as luzes do Palácio, a proximidade
do Governador, a elegância daquelas Excelentíssimas Senhoras, não chegou sequer
a concretizar-se num propósito definido. Foi tudo vago e de pequena duração,
uma ideia fugaz, amargo dissabor.
Pensara num casamento ilustre a ligar
seu nome honrado e plebeu, cheirando a bacalhau e carne-seca, com um
altissonante sobrenome daquela nobreza local perfumada do sangue recente dos
escravos, um bocado arruinada com a abolição.
Calculista sem experiência, pousara os
olhos em
Madalena Pontes Mendes , com um barão na família materna e
cartas de Pedro II no arqui vo do avô
paterno, legislador douto, com muita empatia e fazenda decadente.
Embandeirou-se, cortejando os pais e rondando
a moça.
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