MARINHEIROS
Episódio Nº 40
A luta foi renhida e terminou com a derrota e a expulsão dos agressores. O dono do cabaré, sabedor da identidade de Georges, entrou também no barulho. E, com ele, os garçons dominando os três rapazes, cuja história depois vieram a conhecer.
Eram o amante da mulata e dois amigos
seus, dispostos a vingar a traição sofrida pelo primeiro e a curar-lhe assim a
dor-de-corno, insuportável.
Georges, vitorioso, não consentiu na
chamada da polícia, como propunha Vasco. A mulata, de beiço partido, pareceu
comovida com a explosão do amante, a fúria de seu sentimento capaz de levá-lo a
projectar e realizar uma agressão ao capitão dos portos, senhor dos marinheiros
e dos embarcadiços.
A façanha a reconqui stou
e ela abandonou no cabaré os vitoriosos, para correr, aos gritos de amor, atrás
do derrotado campeão.
Vasco aceitou o convite de Georges para
sentar-se à sua mesa, trocaram cartões de visita, o comerciante iluminou-se ao
saber com quem tratava, a quem ajudara em hora difícil:
- Comandante, quanto prazer! Imagine o
senhor que pensei que o senhor era um estrangeiro...
- Meu pai era francês mas eu sou mineiro
de Vila Rica.
- Para mim é uma honra. O senhor pode
dispor...
- Vamos deixar de lado esse negócio de
senhor. Somos amigos.
Terminaram confraternizando com Soraia
no fim da noite. Johann aparecera, juntara-se a eles, aplaudiram a bailarina,
filha de um árabe de São Paulo, pagaram-lhe champanhe, levaram-na, com mais
duas loiras mulheres, para um castelo distante, frequentado pelo comandante.
No outro dia, Vasco era apresentado ao
coronel, ao tenente e ao doutor Jerónimo. Este não tardou a lhe pedir um dinheiro
emprestado, selando assim, definitivamente, aquela amizade e a entrada de Vasco
na roda ilustre.
E na alta sociedade. Passou a ser
convidado para as festas do Palácio, as recepções, os bailes, a assistir ao
desfile do 2 de Julho e do 7 de Setembro no palanque oficial, ao lado do
Governador, das altas autoridades, dos oficiais superiores.
Jerónimo tomara-se de amizade por ele, não o
largava. Aliás, todos quatro o festejavam e também os demais - majores,
capitães, desembargadores, deputados, secretários do governo - que apareciam
eventualmente na roda para uma prosa, uma partida de poker, uma farra.
Outros salões abriram-se para ele, íntimo do
chefe de gabinete do Governador, amigo de seu ajudante- de-ordens, do
comandante do Batalhão, do capitão dos portos.
Vasco abandonou sua roda antiga, formada
de comerciantes da cidade baixa, gente de mentalidade estreita e de apagado
brilho. Só Johann, com quem Georges simpatizara, continuou a merecer-lhe a
intimidade.
Aparecia de quando em vez, sempre
enrabichado por Soraia, falando em retirá-la do cabaré. Uma mulher de truz, uma
tempestade na cama, mas a bailarina mais vagabunda entre quantas Johann já vira
exibindo-se num tablado. E ele andara meio mundo antes de radicar-se na Baía.
Tinha tudo assim Vasco Moscoso de Aragão
para sentir-se feliz. Dinheiro e consideração social, saúde e bons amigos,
fartura de mulheres, sorte no jogo, pulso forte no poker, nenhuma preocupação
a inqui etá-lo. Então, por que diabo
aquela ponta de melancolia a turvar seus olhos francos, a cortar seu riso
aberto?
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