quinta-feira, março 27, 2014

Então, por que diabo aquela ponta de melancolia?...
OS VELHOS
MARINHEIROS

Episódio Nº 40












A luta foi renhida e terminou com a derrota e a expulsão dos agressores. O dono do cabaré, sabedor da identidade de Georges, entrou também no barulho. E, com ele, os garçons dominando os três rapazes, cuja história depois vieram a conhecer.

Eram o amante da mulata e dois amigos seus, dispostos a vingar a traição sofrida pelo primeiro e a curar-lhe assim a dor-de-corno, insuportável.

Georges, vitorioso, não consentiu na chamada da polícia, como propunha Vasco. A mulata, de beiço partido, pareceu comovida com a explosão do amante, a fúria de seu sentimento capaz de levá-lo a projectar e realizar uma agressão ao capitão dos portos, senhor dos marinheiros e dos embarcadiços.

A façanha a reconquistou e ela abandonou no cabaré os vitoriosos, para correr, aos gritos de amor, atrás do derrotado campeão.

Vasco aceitou o convite de Georges para sentar-se à sua mesa, trocaram cartões de visita, o comerciante iluminou-se ao saber com quem tratava, a quem ajudara em hora difícil:

- Comandante, quanto prazer! Imagine o senhor que pensei que o senhor era um estrangeiro...


- Meu pai era francês mas eu sou mineiro de Vila Rica.

- Para mim é uma honra. O senhor pode dispor...

- Vamos deixar de lado esse negócio de senhor. Somos amigos.

Terminaram confraternizando com Soraia no fim da noite. Johann aparecera, juntara-se a eles, aplaudiram a bailarina, filha de um árabe de São Paulo, pagaram-lhe champanhe, levaram-na, com mais duas loiras mulheres, para um castelo distante, frequentado pelo comandante.

 No outro dia, Vasco era apresentado ao coronel, ao tenente e ao doutor Jerónimo. Este não tardou a lhe pedir um dinheiro emprestado, selando assim, definitivamente, aquela amizade e a entrada de Vasco na roda ilustre.

E na alta sociedade. Passou a ser convidado para as festas do Palácio, as recepções, os bailes, a assistir ao desfile do 2 de Julho e do 7 de Setembro no palanque oficial, ao lado do Governador, das altas autoridades, dos oficiais superiores.

 Jerónimo tomara-se de amizade por ele, não o largava. Aliás, todos quatro o festejavam e também os demais - majores, capitães, desembargadores, deputados, secretários do governo - que apareciam eventualmente na roda para uma prosa, uma partida de poker, uma farra.

 Outros salões abriram-se para ele, íntimo do chefe de gabinete do Governador, amigo de seu ajudante- de-ordens, do comandante do Batalhão, do capitão dos portos.

Vasco abandonou sua roda antiga, formada de comerciantes da cidade baixa, gente de mentalidade estreita e de apagado brilho. Só Johann, com quem Georges simpatizara, continuou a merecer-lhe a intimidade.

Aparecia de quando em vez, sempre enrabichado por Soraia, falando em retirá-la do cabaré. Uma mulher de truz, uma tempestade na cama, mas a bailarina mais vagabunda entre quantas Johann já vira exibindo-se num tablado. E ele andara meio mundo antes de radicar-se na Baía.

Tinha tudo assim Vasco Moscoso de Aragão para sentir-se feliz. Dinheiro e consideração social, saúde e bons amigos, fartura de mulheres, sorte no jogo, pulso forte no poker, nenhuma preocupação a inquietá-lo. Então, por que diabo aquela ponta de melancolia a turvar seus olhos francos, a cortar seu riso aberto?

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