quarta-feira, março 26, 2014

Vasco, ocupara, solitário, certa mesa estratégica...
OS VELHOS

MARINHEIROS


Episódio Nº 39










Georges escancarou a boca, derrotado. Compreendera solidário o desprezo inicial da esposa, mas deu-lhe um prazo curto, dois ou três meses. Ela, no entanto, trancara-se definitivamente em sua desgraça, um fantasma a andar pela casa, os lábios macerados murmurando preces, escondida a beleza, apenas desabrochada, nos vestidos negros e nas lágrimas sem fim.

Passara a dormir no quarto do filho, convertido numa espécie de capela votiva. Georges buscou, durante algum tempo, romper-lhe as barreiras de dor e de abandono, sem obter resultado.

Conseguira transferência de posto e de cidade, Gracinha continuara desinteressada de tudo que não fosse a memória do filho e a vida eterna. Lavou então as mãos, foi viver sua vida.

Passava em casa o menor tempo que podia. Ocupava-se com os problemas da Capitania dos Portos e da Escola de Aprendizes Marinheiros, com o pequeno parque a cercar a casa ante o mar da Bahia.

Mudava a roupa, despia a farda, vestia-se de civil, saía em busca de Jerónimo, no Palácio, do coronel, no QG do 19, ou ia directamente aos Barris, onde habitava, na casa herdada do avô, na qual passara os primeiros anos de sua infância, Vasco Moscoso de Aragão.

 Partiam para jogar bilhar, disputar o aperitivo nos dados, jantar juntos, depois começava a hora das mulheres ou do póquer.

A amizade de Vasco com aquela roda de homens de tanto prestígio iniciara-se tempos antes, por causa exactamente do Comandante Georges, num cabaré.

Vestido à paisana, Georges parecia, com seus olhos azuis e seu cabelo loiro, um viajante estrangeiro, ninguém adivinhava sua qualidade de capitão-de-fragata. Vasco ocupara, solitário, certa mesa estratégica, perto do palco onde se exibiria Soraia, uma dançarina de passagem pela cidade.

Ouvira falar dela e de suas danças por um amigo, um sueco, importador de fumo, piaçava e cacau, com escritório na cidade baixa, chamado Johann, cujo sobrenome era impossível de escrever-se e pronunciar-se.

Na mesa do lado, estava o capitão dos portos e Vasco tomou-o por um europeu, durante algum tempo divertiu-se a adivinhar-lhe a nacionalidade exacta: italiano ou francês alemão ou holandês?

Se não bastassem o cabelo de trigo e os olhos de azul-celeste, o fato de estar o cavalheiro acompanhado por apetitosa mulata carregada na cor, reafirmava sua condição de gringo.

Perdeu-se Vasco em meditações. Era curioso como as negras e mulatas exerciam uma poderosa sedução sobre os estrangeiros. Não podiam ver uma cabrocha, ficavam na maior excitação.

Enquanto ele, brasileiro de sangue misturado, dava a vida por uma loira, de pele branca quase cor-de-rosa. A que se devia essa diversidade de gostos?

Não chegou a encontrar a resposta, pois três indivíduos de cara amarrada entravam no cabaré e passavam ao seu lado, empurrando-lhe grosseiramente a cadeira.

Traziam certamente uma intenção determinada, via-se nos seus modos violentos: a intenção, comprovou Vasco em seguida, de partir a cara do gringo e tomar-lhe a mulata à força.

 Diabo de estrangeiro enganador ... O que parecia ser um massacre em regra, transformou-se em encarniçada luta, o europeu não era presa fácil. Voavam garrafas e cadeiras, Vasco não se conteve.

Achou um absurdo três caras contra um e meteu-se no barulho, tomando as dores do desconhecido. A mulata gritava, um dos sujeitos havia-lhe aplicado umas bofetadas. Vasco era forte, crescera carregando fardos, aprendera com Giovanni golpes de capoeira. 

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