quinta-feira, março 20, 2014

O menino não revelava jeito e gosto para os negócios...

VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 34









Tendo perdido o pai aos três anos, e logo depois a mãe, incapaz de resistir à saudade do marido infiel e apaixonado, fora Vasco criado pelo avô, que o trouxera aos dez anos, apenas terminado o curso primário, para o escritório, onde começara de baixo, varrendo as salas e o depósito, carregando depois mercadorias como um ganhador qualquer.

Dormia com os outros empregados no terceiro andar e com eles tomava as refeições, pela manhã e pela tarde, na mesa patriarcal presidida pelo velho Moscoso.

Com eles, sua primeira mulher foi a negra cozinheira, a mesma que o avô frequentava, e essas noites com a preta Rosa, no quarto sem janelas, asfixiante de calor, eram sua única alegria. Não lhe dava o avô nenhuma regalia, além da mão a beijar, na bênção matutina.

Enquanto vivo, o velho Moscoso observava o neto e balançava a cabeça, desanimado. O menino não revelava jeito e gosto para os negócios, descuidado e desatento, sem noção de responsabilidade.

Quando rapaz, foi mandado como viajante para Jequié e Sergipe, numa experiência de lastimáveis resultados. Comprovaram-se as previsões mais pessimistas do avô e de Rafael Menendez, primeiro empregado da casa, a eficiência em pessoa.

Foi rápida, porém fulgurante, a passagem de Vasco pela ilustre corporação dos caixeiros-viajantes, naquele tempo emprego cobiçado. Vendia ao sabor de suas simpatias, concedendo crédito a comerciantes praticamente falidos, cujos armazéns e lojas os demais cometas desconheciam cuidadosamente.

 Incapaz de efectuar qualquer cobrança, concedia absurdos prazos de pagamento. Na cidade sergipana de Estância, praça a ser feita num dia, demorou-se uma semana, encantado com as ruas sombreadas, o casario alegre, os banhos no rio Piauitinga, as moças formosas nas janelas ou ao piano, os requebros de Otália, a dona da pensão, doida por viajante novo.

Jamais um caixeiro de José Moscoso empreendeu viagem tão lenta e de tão desastrosos resultados. Fez-se necessário colocar naquela linha, considerada a mais fácil de todas, um viajante experiente para restabelecer o antigo conceito da firma, seriamente abalado pelo jovem cometa aparentemente disposto a revolucionar a profissão da firma.

Deixou, no entanto, alto e inesquecível, o prestígio da firma e o seu, pessoal, em quanto prostíbulo existia nas cidades por ele percorridas. Fez um curso completo de mulheres, desforrando-se dos anos de reclusão no prédio ao sopé da Ladeira da Montanha, onde os rígidos princípios do velho Moscoso estabeleciam horários impossíveis e reduziam a luxúria aos parcos encantos da negra Rosa, ainda assim disputada e ilegal.

Abanando a cabeça melancolicamente, colocou-o o velho Moscoso de novo no escritório, onde continuou mais ou menos inútil: útil apenas para acompanhar, nas visitas à cidade, os fregueses do interior que se hospedavam no prédio da firma.

Para isso era óptimo, moço de trato fino, agradável e conversador, bom companheiro para uma noitada. Noitada em termos, pois se ao freguês não podia o velho Moscoso aplicar, de patacão pendurado nos dedos, o horário exigente: “Às oito, na cama, nem um minuto depois...” aplicava-o ao neto com um rigor jamais abalado sequer pelo buço a crescer em bigodes fartos no lábio sensual do moço.

Sem falar no dinheiro limitado, o estritamente necessário para as despesas de condução. E, mesmo sobre os fregueses, exercia o velho Moscoso certa pressão de referência a horários, a dinheiro gasto em deboches e mulheres, mencionando, a todo momento, o pouco crédito que lhe mereciam homens de hábitos irregulares, frequentadores de bares e casas de rameiras.

 - “Que confiança se pode ter num sujeito dado a bebidas e a putas?”

 A pergunta limitava devassos projectos acalentados durante meses, no interior, pelos comerciantes, à espera da visita à capital para fartar o corpo.

Ainda assim, no entanto, iam fregueses e Vasco aproveitando cada oportunidade, sabotando a aconselhada romaria aos lugares pitorescos, substituindo-a pela acolhedora atmosfera dos castelos, onde o jovem herdeiro começava a estabelecer conhecimentos duradouros.

O velho Moscoso, os óculos enganchados no nariz, o paletó negro de alpaca, debruçado sobre os livros de correspondência da firma, considerava o neto parado ante a carta começada, os olhos perdidos no horizonte entrevisto através da janela, a sonhar.

Cruzava seu olhar desanimado com o severo olhar crítico de Rafael Menendez, o velho abanava a cabeça, o primeiro - empregado fazia uma cara de lástima. Ora. José Moscoso amava bem mais a firma do que a família, aliás reduzida ao neto vago e imaginoso como o pai, aquele Aragão falador e envolvente, mentiroso de fama larga, que lhe conquistara a filha única e vivera às suas expensas durante cinco anos.

Custando-lhe rico dinheiro mesmo depois de morto, pois a idiota da viúva exigira para o “idolatrado esposo” enterro de primeira classe e mausoléu de mármore.

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