O menino não revelava jeito e gosto para os negócios... |
VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 34
Tendo perdido o pai aos três anos, e logo depois a mãe, incapaz de
resistir à saudade do marido infiel e apaixonado, fora Vasco criado pelo avô,
que o trouxera aos dez anos, apenas terminado o curso primário, para o
escritório, onde começara de baixo, varrendo as salas e o depósito, carregando
depois mercadorias como um ganhador qualquer.
Dormia com os outros empregados no terceiro andar e com eles tomava as
refeições, pela manhã e pela tarde, na mesa patriarcal presidida pelo velho
Moscoso.
Com eles, sua primeira mulher foi a negra cozinheira, a mesma que o avô
frequentava, e essas noites com a preta Rosa, no quarto sem janelas, asfixiante
de calor, eram sua única alegria. Não lhe dava o avô nenhuma regalia, além
da mão a beijar, na bênção matutina.
Enquanto vivo, o velho Moscoso observava o neto e balançava a cabeça,
desanimado. O menino não revelava jeito e gosto para os negócios, descuidado e
desatento, sem noção de responsabilidade.
Quando rapaz, foi mandado como viajante para Jequi é
e Sergipe, numa experiência de lastimáveis resultados. Comprovaram-se as
previsões mais pessimistas do avô e de Rafael Menendez, primeiro empregado da
casa, a eficiência em pessoa.
Foi rápida, porém fulgurante, a passagem de Vasco pela ilustre
corporação dos caixeiros-viajantes, naquele tempo emprego cobiçado. Vendia ao
sabor de suas simpatias, concedendo crédito a comerciantes praticamente
falidos, cujos armazéns e lojas os
demais cometas desconheciam cuidadosamente.
Incapaz de efectuar qualquer
cobrança, concedia absurdos prazos de pagamento. Na cidade sergipana de
Estância, praça a ser feita num dia, demorou-se uma semana, encantado com as
ruas sombreadas, o casario alegre, os banhos no rio Piauitinga, as moças
formosas nas janelas ou ao piano, os requebros de Otália, a dona da pensão,
doida por viajante novo.
Jamais um caixeiro de José Moscoso empreendeu viagem tão lenta e de tão
desastrosos resultados. Fez-se necessário colocar naquela linha, considerada a
mais fácil de todas, um viajante experiente para restabelecer o antigo conceito
da firma, seriamente abalado pelo jovem cometa aparentemente disposto a
revolucionar a profissão da firma.
Deixou, no entanto, alto e inesquecível, o prestígio da firma e o seu,
pessoal, em quanto prostíbulo existia nas cidades por ele percorridas. Fez um
curso completo de mulheres, desforrando-se dos anos de reclusão no prédio ao
sopé da Ladeira da Montanha, onde os rígidos princípios do velho Moscoso
estabeleciam horários impossíveis e reduziam a luxúria aos parcos encantos da
negra Rosa, ainda assim disputada e ilegal.
Abanando a cabeça melancolicamente, colocou-o o velho Moscoso de novo
no escritório, onde continuou mais ou menos inútil: útil apenas para
acompanhar, nas visitas à cidade, os fregueses do interior que se hospedavam no
prédio da firma.
Para isso era óptimo, moço de trato fino, agradável e conversador, bom
companheiro para uma noitada. Noitada em termos, pois se ao freguês não podia o
velho Moscoso aplicar, de patacão pendurado nos dedos, o horário exigente: “Às
oito, na cama, nem um minuto depois...” aplicava-o ao neto com um rigor jamais
abalado sequer pelo buço a crescer em bigodes fartos no lábio sensual do moço.
Sem falar no dinheiro limitado, o estritamente necessário para as
despesas de condução. E, mesmo sobre os fregueses, exercia o velho Moscoso
certa pressão de referência a horários, a dinheiro gasto em deboches e mulheres,
mencionando, a todo momento, o pouco crédito que lhe mereciam homens de hábitos
irregulares, frequentadores de bares e casas de rameiras.
- “Que confiança se pode ter num
sujeito dado a bebidas e a putas?”
A pergunta limitava devassos
projectos acalentados durante meses, no interior, pelos comerciantes, à espera
da visita à capital para fartar o corpo.
Ainda assim, no entanto, iam fregueses
e Vasco aproveitando cada oportunidade, sabotando a aconselhada romaria aos
lugares pitorescos, substituindo-a pela acolhedora atmosfera dos castelos, onde
o jovem herdeiro começava a estabelecer conhecimentos duradouros.
O velho Moscoso, os óculos enganchados no nariz, o paletó negro de
alpaca, debruçado sobre os livros de correspondência da firma, considerava o
neto parado ante a carta começada, os olhos perdidos no horizonte entrevisto
através da janela, a sonhar.
Cruzava seu olhar desanimado com o severo olhar crítico de Rafael
Menendez, o velho abanava a cabeça, o primeiro - empregado fazia uma cara de
lástima. Ora. José Moscoso amava bem mais a firma do que a família, aliás
reduzida ao neto vago e imaginoso como o pai, aquele Aragão falador e
envolvente, mentiroso de fama larga, que lhe conqui stara
a filha única e vivera às suas expensas durante cinco anos.
Custando-lhe rico dinheiro mesmo depois de morto, pois a idiota da
viúva exigira para o “idolatrado esposo” enterro de primeira classe e mausoléu
de mármore.
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