quarta-feira, março 19, 2014

Se Deus não existe,
porque havemos de ser bons?

Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”




Colocada desta forma, a questão afigura-se nitidamente ignóbil. Quando uma pessoa religiosa me coloca o problema desta forma (e muitas são que já o fizeram), a minha tentação imediata é lançar o seguinte desafio:

 - «Quer mesmo dizer-me que a única razão que o leva a tentar ser bom é obter a aprovação e recomendação de Deus, ou evitar a sua reprovação e castigo?»

 - «Isso, meu amigo, não é moralidade, é graxa, bajulação, um relance furtivo à grande câmara de vigilância que nos vê do céu ou o fiozinho de escuta dentro do seu ouvido a monitorizar-lhe todos os movimentos e os pensamentos mais torpes».

Vou recordar o que dizia Einstein:

 - “Se as pessoas só são boas porque temem o castigo e esperam recompensa, então somos mesmo uma boa cambada.”

Quem concordar que, na ausência de Deus, seria capaz de «cometer assaltos, violações e homicídios» revela ser uma pessoa imoral e o melhor será passarmos-lhe ao largo porque ela é perigosa».

Mas se alguém admite que continuaria a ser uma pessoa boa mesmo não estando sob a vigilância divina, deita fatalmente por terra a sua pretensão de que Deus é necessário para que sejamos bons.

Parece-me requerer muito pouca auto-estima pensar que, se de repente a fé em Deus desaparecesse do mundo tornar-nos-íamos todos pessoas egoístas e insensíveis, desprovidas de amabilidade, caridade, generosidade, enfim, de tudo o que merecesse o nome de bondade.

Provavelmente, era assim que Dostoievski pensava por causa das afirmações que colocou na voz do personagem Ivan Karamazov, no seu livro “Os Irmãos Karamazov”.

 - «Ivan, observou solenemente que não havia absolutamente nenhuma lei na natureza que fizesse o homem amar a humanidade e que, se o amor realmente existisse e tivesse existido no mundo até agora, isso não se deveria à lei natural, mas unicamente à circunstância de homem acreditar na sua própria imortalidade.

Acrescentou em jeito de aparte que era precisamente isso que constituía a lei natural, a saber, que a partir do momento em que a fé do homem na sua própria imortalidade fosse destruída, se esgotaria não só a sua capacidade de amar, como também as forças vitais que eram o sustentáculo da vida nesta terra. E mais ainda, que nada então seria imoral, tudo sendo permitido, até a antropofagia. (…)»

Inclino-me, algo ingenuamente, para uma visão da natureza humana menos cínica do que a de Ivan Karamazov.

Precisaremos mesmo de policiamento – seja por Deus, seja por nós próprios – para impedir que nos comportemos de maneira egoísta e criminosa?

Quero sinceramente acreditar que não preciso dessa vigilância – nem eu nem o meu caro leitor.

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