O Tenente abraçara-se com uma pequena loira... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 32
Era ela, porém, quem se curvava para cumprimentá-lo e logo abraçá-lo:
- Doutor Jerónimo, seja bem-vindo, dê suas ordens a essa sua criada...
Voltava-se para um jovem quase imberbe, bonito rapaz silencioso:
- O Tenente é esperado com impaciência...
Para enlaçar finalmente, num abraço onde havia real amizade, o
derradeiro do grupo, de nariz adunco, cabeleira romântica e certa melancolia
nos olhos amoráveis:
- Seu Aragão! Seu Aragãozinho! Bons olhos o vejam...
Turvou-se ainda mais o olhar de Aragãozinho, apesar do afecto visível
na voz de Carol, de seu entusiasmo. Ela notou a tristeza, pensou conhecer a causa,
sussurrou ao ouvido do rapaz:
- Persista que terminará vencendo... Sei o que digo... - e mais alto: -
Ouço confidências e suspiros...
O coronel comentou, rindo:
- O nosso Aragão, não há quem possa com ele. Não adiantam dragonas nem
títulos...
Foi a ele também que se dirigiu o garçon, a voz aflautada, os maneios
femininos:
- Reservei a mesa do canto, seu Aragão, a de sempre.
Foram ocupá-la, Carol acompanhando-os numa prova de suprema
consideração.
Movimentavam-se as mulheres nas outras mesas, prontas a largar os
clientes eventuais ao menor chamado da dona da casa ou de um dos
recém-chegados.
O tenente abraçara-se com uma
pequena loira, antes solitária, escondida por detrás da orquestra.
Aragão relanceou os olhos pela sala, até encontrar os de Dorothy. Lá
estava ela, as mãos nas mãos de Roberto que a tinha colada contra o peito
gordo, num agarramento excessivo mesmo numa pensão alegre.
Enfiava a boca de suíno no cangote da mulher. Os olhos de Dorothy, inqui etos e quase suplicantes, pousaram nos de Aragão
e um sorriso medroso abriu-se em seus lábios.
Um calor de primavera cresceu no peito de Aragão. Aquele doutor Roberto
Veiga Lima, balofo e fátuo, inútil filho de pais ricos, não merecia a beleza
frágil e brusca de Dorothy, seus assustados olhos, aquela ânsia de amor a
queimar-lhe as faces como febre.
Não era casual nem gratuita tanta prova de apreço de parte da
experiente Carol: os cinco senhores abancados à mesa, ordenando bebidas,
honravam e protegiam sua casa, eram a nata da Bahia, os boémios mais cortejados
entre quantos circulavam pelos cafés, mesas de jogo, castelos e pensões de
mulheres.
Em torno deles juntavam-se vários outros, numa roda grande e pródiga, a
melhor gente da cidade. Mas os cinco eram inseparáveis, encontravam-se
diariamente, a partir do fim da tarde, jogando bilhar, bebendo cerveja,
prolongando a noite no poker, em ceias nos cabarés.
- Aqueles cinco são os donos do Estado... - diziam ao vê-los entrar no
Palácio, numa repartição ou num bar, na Pensão Monte Carlo, e tinham certa
razão.
Carol sussurrava algo ao ouvido do coronel, fazia sinal a uma morena
alta e elegante:
- Chegou hoje do Recife.. . Uma galanteza.
- Só cuida do Coronel... E a Marinha, não lhe merece nada? - reclamava
o de olhos azuis, com cara de gringo.
- Para o Comandante tenho uma papa-fina... bem a seu gosto, queimada na
pele...
Riram todos na mesa. A morena aproximava-se, fatal. A orquestra
refinava-se num tango argentino, Roberto saía dançando com Dorothy. Medicina
não aprendera nos dez anos de Faculdade (segundo as más línguas obtivera o
diploma de doutor por antiguidade) mas aprendera a valsa e o tango, o maxixe,
era um senhor bailarino, apesar das banhas.
Lá ia com Dorothy nos floreados
do tango, em primorosa exibição. Ela se aproveitava para incendiar o peito de
Aragão com olhares fundos e sorrisos tímidos.
O garçom chegava com bebidas,
mulheres circulavam próximo à mesa, na esperança de um chamado. A negrinha Muçu
sentara-se nos joelhos do comandante loiro, fazia-lhe cócegas no pescoço.
Carol resplandecia, orgulhosa de sua pensão, da orquestra, das mulheres
escolhidas a dedo, dos garçons respeitosos, do stoque de bebidas, dos preços
caros, da freguesia de primeira ordem.
Daqueles cinco fregueses, sobretudo.
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