Pois lhe informaram errado caro amigo... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 21
Talvez nem isso: quem sabe, não saíra
jamais o comandante (comandante, um corno!) do rio São Francisco, de uma gaiola
qualquer, de Joazeiro a Pirapora, de Pirapora a Joazeiro a vida toda.
Com aquela fachada de mascate, de
vendedor a prestações, só os bobos se iludiam, não ele, Chico Pacheco,
habituado a lidar com advogados ladinos, com sabidórios do forum, com gatunos
de toda espécie.
Essas histórias de portos da Ásia, de
ilhas do Indico, de mulheres do Ceilão, de marinheiros gregos, Vasco as sabia,
certamente, de leituras de tê-las ouvido contar ou simplesmente as inventava.
Navio-gaiola no rio São Francisco, era o
máximo que Chico Pacheco lhe concedia. Derrotado pelo diploma em sua primeira
investida, não desanimou, fibra temperada por dez anos de litígio com o Estado.
Enquanto esperava os compêndios
encomendados ao filho (nem que tivesse de dedicar o resto da vida ao estudo da
Geografia...) resolveu explorar os pontos fracos do inimigo. Detalhes capazes
de despertar a dúvida e obter-lhe aliados.
Reparou logo na decepção de Emílio
Fagundes. Quando na Secretaria de Agricultura, Emílio Fagundes chegara a ter o
nome impresso nos jornais devido a seu gosto e jeito para o jogo no xadrez.
Disputara mesmo um campeonato no Rio, obtivera o quarto lugar, um sucesso!
Agora, aposentado, sua única restrição a
Periperi era a ausência de um bom parceiro, não havia ali quem fosse além da
dama, do gamão, do dominó.
Enchera-se de esperanças com a chegada
do comandante (comandante, uma bosta!), logo desfeitas: o homem mal distinguia
uma torre de um bispo, um cavalo de um rei. Devia continuar a jogar, por
correspondência, com parceiros da capital, a resolver problemas das secções
especializadas de jornais e revistas. Uma desilusão.
- Pensei que um homem do mar tinha de
saber xadrez... - confidenciou um dia a Chico Pacheco.
Pela primeira vez em sua vida,
entusiasmou-se o ex-fiscal de consumo pelas complicações do xadrez. Até então
considerava-o um jogo cacetíssimo e Emílio Fagundes um lunático. Era realmente
de estranhar-se o desinteresse de um homem do mar por jogo tão útil para matar
o tempo.
Para as longas horas de navegação calma
não devia existir melhor passatempo. Resolveu atirar com o tabuleiro de xadrez
no tombadilho, mesmo na hora mais emocionante, quando o comandante (comandante,
um xibiu!) evitara um choque de consequências trágicas entre seu navio e um
desarvorado imenso iceberg, no Mar do Norte, em noite de bruma e frio.
A cerração era tal que podia ser cortada
a faca como um queijo, ia o negro buquê em marcha reduzida, seus apitos
angustiosos avisando o perigo, os passageiros em pânico, quando a massa branca
de gelo apareceu a bombordo, montanha a navegar . ..
- Seu Vasco, me diga aqui uma coisa.. .
- Comandante Vasco Mocoso de Aragão, às
suas ordens.
Não dispensava o título, pois, como ele
dizia, outro bem e honra não possuía além de sua carta de comando. Chico
Pacheco, num esforço, continha os palavrões, dava-lhe o título:
- Pois, seu comandante (de merda...), me
diga aqui uma coisa que me está
fazendo mossa: como é que o senhor, homem do mar, com um tempão para matar, não
sabe jogar xadrez? Tenho ouvido dizer que é jogo muito apreciado nas embarcações...
- Pois lhe informaram errado, caro
amigo. Jogo de marinheiro é jogo de dados ou de baralho, jogo de azar. Um póquer
bem disputado, isso sim. Passei noites e noites sem dormir, até o sol nascer,
em mesas de póquer...
E, tomando da deixa, foi adiante,
impávido:
- Naquela vez que naufraguei em Rasmat,
a ilha parecida com Periperi, só levávamos no barco uns biscoitos, um pouco de
água e um baralho. E mesmo ali, ameaçados por todos os lados, jogamos um bom póquer.
Éramos cinco e enquanto um ficava no leme, os outros quatro apostavam. Jogamos
os biscoitos e os goles dágua a que tínhamos direito. Foi divertido. Dois dias
e duas noites...
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