Pois esse analfabeto é bacharel em Direito... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 46
Hoje há quem caçoe dos doutores, faça burla dos advogados, achando que anel de grau não prova competência. Já li numa gazeta artigo repleto de argumentos onde se provava, por a mais b, residirem nos bacharéis todos os males do Brasil.
É bem possível, também penso assim, mas
não discuto, respeito a liberdade de opinião. Sou capaz de jurar, no entanto,
que o autor do artigo é doutor em qualquer coisa ou oficial da activa, senão
onde iria buscar coragem para tais afirmações? Competir com um doutor é idiotice,
rematada loucura, sou prova disso.
Eis por que dou inteira razão ao
comandante (enquanto a versão de Chico Pacheco não ficar inteiramente provada
não lhe retiro o título, um historiador não pode ser precipitado): a causa de
sua melancolia parece-me das mais justas.
Mesmo rico e instalado na Vida, há de
ter sofrido humilhações e aborrecimentos por lhe faltar um doutor ou um major
no nome, por não ter curso universitário, mesmo desses feitos nas coxas, por
malandrins jamais vistos nas aulas como Otoniel Mendonça, o tal amigo do
Telêmaco Dórea, de cujas maledicências defendi, em boa hora, o eminente Dr.
Alberto Siqueira.
Pois esse analfabeto é bacharel em Direito. Durante
os anos de Faculdade trocou pernas na zona do baixo meretrício e falou mal da vida
alheia na porta da Livraria Civilização, na Rua Chile.
Os professores mal lhe viram as fuças com o
que, aliás, nada perderam os venerandos mestres. No entanto, repetindo
matérias, fazendo exames de segunda época, passando pela tangente, obteve o
canudo e, com ele armado, cavou em seguida emprego público (desses óptimos onde
não há nenhum trabalho a fazer), continuou na Rua Chile a falar mal da
humanidade.
Não chegava a uma hora diária o tempo
por ele dispensado ao serviço do Estado. Pois ainda assim pareceu-lhe demasiado
tempo, insinuou uma infiltração no ápice do pulmão esquerdo, deram-lhe, sem
pestanejar, licença para tratamento de saúde e em licença ele continua até
hoje, gordo e corado, a macular com sua presença a paisagem de Periperi.
Agora, a diferença: só porque não tenho
título de doutor, penei como cão sem dono, para obter uma licença de seis meses
na repartição, os médicos numa intransigência medonha, fazendo os maiores
elogios à minha vista, nunca tinham examinado olhos tão perfeitos.
Garantira-me um amigo que o golpe da
doença dos olhos pega sempre: os médicos, comovidos, assinam os papéis sem
discussões nem exames.
Conversa fiada, se a ele não examinaram
os olhos foi em consideração a seu diploma de dentista, uma espécie de doutor
de segunda classe mas ainda assim com suas vantagens.
Só escapei ao descobrir, casualmente,
ser um dos médicos sobrinho de um compadre meu. Joguei-lhe em cima o tio com um
pedido e o farsante desencavou cataratas graves a ameaçar-me de cegueira.
Deu-me seis meses e renovou. Pude assim
dedicar-me, à custa do Estado, à realização da minha obra sobre os
Vice-Presidentes da República.
Não sei se conhecem esse meu trabalho,
se não o leram vale a pena fazê-lo, digo--o sem falsa modéstia, obteve
aceitação e apreço...
Aliás, o caso desse livro vem provar
mais uma vez a importância de ser doutor.
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