quinta-feira, maio 22, 2014

Carlos Esperança
Uma Entrevista a
Carlos Esperança
 (Presidente da Associação Ateísta Portuguesa)









“As Religiões são Nocivas”



 O Presidente da Associação Ateísta Portuguesa já foi católico e ainda não conseguiu a anulação do baptismo. No entanto, o que mais inquieta Carlos Miranda, de 71 anos, ex-professor primário e reformado de uma farmacêutica, são os laços entre o Estado e as religiões.

A Religião continua a ser o ópio do povo?

 - Não diria que é o ópio do povo mas é frequentemente um detonador de ódios. Teria dúvidas em utilizar a frase de Marx, mas também não a repudio, mesmo sem subscrever o marxismo.

E acredita que Portugal seria um país melhor sem religião?

- A natureza tem horror ao vazio. Se não tiver esta religião arrisca-se a ter outra. E nunca se sabe se a outra não é pior.

Quer isso dizer que a Igreja Católica é um mal menor?

 - Se nos circunscrevermos às religiões do livro, diria que no Protestantismo há níveis de tolerância maior que no Catolicismo. Mas não em todo. E o Catolicismo não é homogéneo.

Entre aqueles que se fazem pregar na cruz, e seitas radicais como a Opus Dei, os Legionários de Cristo e a Comunhão e Libertação, tenho dificuldades em indicar a pior e a melhor.
Todas as religiões são igualmente falsas e nocivas.

No entanto, a nossa civilização judaico-cristã está fundada nessas religiões

  - No meu ponto de vista ateu, devemos mais ao Iluminismo e à Revolução Francesa do que ao Catolicismo. E diria que a cultura Greco-Romana é indiscutivelmente importante para aquilo que somos.

O prazo de validade do Cristianismo já expirou?

 - É muito natural que, dentro de séculos ou milénios, o Deus judaico-cristão seja estudado pela mitologia, como Osíris, Zeus ou Neptuno. Mas não sou profeta.
Enquanto os crentes estão cheios de certezas, os ateus estão crivados de dúvidas.

Nunca sente falta de certezas?

 - Não, apesar de ter tido educação católica numa pequena aldeia beirã, com catequistas que atribuíam o pôr do sol a um sinal de Lúcia e diziam que comunistas e judeus iriam matar os cristãos, num antissemitismo primário, de gente quase analfabeta, mas que nos ensinavam a debitar o catecismo, como se faz com o Corão nas madraças.

Foi um católico convicto?

 - Até aos dez anos, seguramente. Enternecia-me muito com o sofrimento de Jesus. Dos 10 aos 14, quando fui para o Liceu da Guarda, deixei de frequentar a Igreja, salvo uma vez por ano, pois era mais ou menos obrigado a fazer a confissão e a comunhão na Páscoa.
Éramos induzidos a rezar o terço à sexta – feira, mas nuca fui. Parece que a Lúcia tinha mandado rezar o terço e obedeciam-lhe, como a Salazar, e com igual dedicação.

Aos 14 anos deixei de acreditar em seres hipotéticos.

Que valores defende a Associação Ateísta Portuguesa?

 - O nosso código de conduta é o respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição da república Portuguesa.

De resto, cada ateu é ateu à sua maneira. Caso contrário tornamo -nos numa igreja. A Albânia foi o único caso de ateísmo obrigatório. Por paradoxo, o ateísmo foi religião de Estado graças ao psicopata Hosha (ditador comunista).

Compartilham a crença no primado da Ciência? 

 - O ateísmo é uma opção filosófica assumida por quem se sente responsável pelos seus actos, preza a vida – a sua e a dos outros – e cultiva a razão, confiando no método científico. E os ateus são pessoas que não remetem a questão do Bem e do Mal para seres incertos, nem têm esperança numa vida para além da morte.

Entende as pessoas que defendem o Criacionismo para explicar a origem do mundo?

 - O Criacionismo não resiste ao mais simples critério de análise científica.

Mas os criacionistas dizem que também não é fácil comprovar o Evolucionismo...

 - A fé que os salve...  A Teoria da Evolução das Espécies não explica tudo mas acabou por demolir a religião. A partir daqui os movimentos ateus e agnósticos ganharam muita força.

Defendem restrições à prática religiosa?

 - Muito pelo contrário a liberdade de crença e descrença e de anti-crença têm de estar ao mesmo nível. Defendemos muito menos o ateísmo do que a laicidade. O Estado não pode ser ateu, pois um estado ateu é totalitário.

(continua)

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