Debroçou-se na amurada, saíam-lhe a honra e a vida em golfadas... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 80
O vento jogou-lhe nariz adentro a
pesteada fumaça do charuto, uma onda mais forte balançou o navio. Vasco
apressou-se para a cabine, o médico descia a escada, felizmente.
Porque não houve tempo de alcançar a
almejada porta. Debruçou-se mesmo na amurada, saíam-lhe a honra e a vida em
golfadas, tinha a impressão de haver chegado sua derradeira hora, sentia-se
sujo, humilhado, reduzido a um trapo. Olhou a medo: ninguém nas proximidades.
Foi andando para a cabine, trancou-se por dentro, jogou-se no beliche sem
forças para tirar a roupa.
Do Ita navegando ao sol,
capítulo quase folclórico, a ler-se com o acompanhamento musical de “Peguei um
Ita no Norte”, de Dorival Caymmi
Amanheceu um sol de 2 de Julho de tão
brilhante e cálido, o céu despejado, o mar como um lençol de aço reluzente
cortado pelo orgulhoso Ita de altaneira proa.
Quando o comandante saiu do banho e encontrou
o café da manhã servido na cabine, o moço de bordo muito solícito a sorrir-lhe,
novamente estava de crista erguida e sorvia o ar marinho como nos tempos de
suas travessias nas rotas da Ásia e da Austrália.
Vestiu a farda branca, trauteando a melodia
daquela canção da bailarina Soraia, uma que falava em mar e marinheiros.
Espalhava-se pelas salas, tombadilhos e
corredores a característica população daqueles Itas que durante tantos e tantos
anos subiram e desceram a costa brasileira, de Porto Alegre a Belém do Pará quando
os aviões ainda não cruzavam os céus aproximando as distâncias, encurtando o
tempo e retirando às viagens toda a sua poesia e o seu encanto.
Quando o tempo era mais lento e menos
desperdiçado, menos gasto na sofreguidão inútil de chegar quanto antes, numa
avidez de viver tão depressa que transforma a vida numa pobre aventura sem cor
e sem sabor, uma corrida, um atropelamento, um cansaço.
Existiam três tipos de Ita, os grandes,
os médios, os pequenos, com certas diferenças de conforto e rapidez, mas eram
uns e outros igualmente alegres, limpos, agradáveis.
A viagem, um prazer: estabeleciam-se
relações, faziam-se amigos, iniciavam-se namoros e noivados, não existia melhor
lua-de-mel para os recém-casados, eram de festa os dias de bordo.
Os Itas grandes só escalavam nas
capitais importantes e, indo do Rio para o Norte, arribavam nos portos de
Salvador, Recife, Natal, Fortaleza, Belém.
Os médios incluíam Vitória, Maceió, São Luís,
em seu itinerário. Os pequenos alargavam a viagem, parando também em Ilhéus,
Aracaju, Cabedelo, Parnaíba, desembarcando e recebendo passageiros.
Era um dos maiores, aquele agora entregue ao
comando do Capitão de Longo Curso Vasco Moscoso de Aragão.
Nele movimentava-se a irrequi eta e álacre humanidade habitual dos Itas:
políticos em visita às suas bases eleitorais ou voltando de rápida viagem ao
Rio.
Os políticos iam e vinham naquele ano da
campanha presidencial, num trânsito intenso de esperanças e ambições.
Comerciantes e industriais, regressando
com a família, do passeio à Capital da República, excursão de prazer e de
negócios. Moças e senhoras de volta de uns tempos passados em casas de
parentes, no Rio ou em São
Paulo ; caravanas de estudantes retornando da clássica viagem
ao Sul nos meados do ano de formatura, a recordar, entre gargalhadas, detalhes
das farras, dos cabarés, dos passeios, das mulheres e, por vezes, das paisagens
vistas.
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