Ele, Chico Pacheco, tinha horror a armas de fogo... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 69
Os aposentados e retirados dos negócios,
reumáticos, os rins funcionando mal, quase todos com estreitamento de uretra,
ameaçavam-se uns aos outros, insultavam-se, e, certo dia, Zequi nha Curvelo avançou cego para Chico Pacheco,
anunciando, em alto e bom som, sua disposição de arrancar-lhe a língua
empesteada.
Como disse o chefe da estação, os velhotes
estavam com o demónio no corpo.
Dividiu-se a população e também o
arrabalde: nos bancos da estação que davam para o mar, sentavam-se os
partidários do comandante, nos que davam para a rua, os de Chico Pacheco.
A praia ficou para os primeiros, a praça
para os segundos. Em Plataforma, o Padre Justo recebia as notícias, botava as
mãos na cabeça: como escolher, no próximo ano, o padrinho das festas de São
João?
No meio disso tudo, um homem permanecia
calmo e tranqui lo, a sorrir seu
sorriso bonachão; “a trepar nos rochedos para espiar, Com a luneta, a chegada
dos navios; a preparar seu grogue quente, à noite; a ganhar no poker e a contar
suas histórias: o Comandante Vasco Moscoso de Aragão.
Quando lhe chegaram aos ouvidos os
primeiros rumores da agitação provocada por Chico Pacheco, ele confidenciou aos
íntimos:
- Puro despeito...
E encolheu os ombros, dispondo-se a
desconhecer tudo aqui lo. Não lhe foi
possível, porém, pois uma parte dos atentos ouvintes de antes virava-lhe as
costas e muitos riam de suas histórias.
E seus próprios partidários disseram-lhe
ser necessário fazer qualquer coisa que provasse, sem sombra de dúvida, a
inverdade da narrativa do ex-fiscal do consumo, Zequi nha
Curvelo, após o quase pugilato com Chico Pacheco, abriu-lhe o coração:
- Comandante, me desculpe, mas é preciso
fazer alguma coisa para silenciar esses caluniadores.
- Creio que você tem razão. Pensei em
não tomar conhecimento dessas misérias. Mas, como há quem acredite nelas, só
resta tomar uma atitude...
Estava num dos seus melhores momentos: a
mão apoiada na janela, o olhar perdido nas águas, a cabeleira agitada pela
brisa.
- Você, caro amigo, e Rui Pessoa estão
designados como minhas testemunhas para desafiar esse caluniador para um duelo.
Como sou o insultado, tenho direito à escolha das armas. Exijo revólver de seis
tiros, podendo-se usar toda a munição. Ficaremos a vinte passos um do outro, o
local será a praia. O morto rolará no mar.
O entusiasmo dominou Zequi nha Curvelo, saiu apressado para sua missão.
Fracassou. Chico Pacheco não qui s
sequer nomear padrinhos. Não era homem para duelos, isso era idiotice sem
cabimento, em nossa época o duelo havia passado de moda, coisa ridícula.
Ele, Chico Pacheco, tinha horror a armas
de fogo, não gostava nem de vê-las. E o charlatão andara privando com oficiais
do Exército e da Marinha, era capaz de ter aprendido a atirar, possuir boa
pontaria.
Nessa ele não se metia. Se o charlatão qui sesse, recorresse à Justiça, iniciasse um
processo por difamação, e ele, Chico Pacheco, iria provar tudo quanto contara.
Se tivesse coragem, fosse à Justiça. Um
duelo não provava nada, levava vantagem quem fosse melhor atirador. Não, não
queria saber de duelos.
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