sexta-feira, maio 02, 2014

Ele, Chico Pacheco, tinha horror a armas de fogo...
OS VELHOS

 MARINHEIROS

Episódio Nº 69










Os aposentados e retirados dos negócios, reumáticos, os rins funcionando mal, quase todos com estreitamento de uretra, ameaçavam-se uns aos outros, insultavam-se, e, certo dia, Zequinha Curvelo avançou cego para Chico Pacheco, anunciando, em alto e bom som, sua disposição de arrancar-lhe a língua empesteada.

 Como disse o chefe da estação, os velhotes estavam com o demónio no corpo.

Dividiu-se a população e também o arrabalde: nos bancos da estação que davam para o mar, sentavam-se os partidários do comandante, nos que davam para a rua, os de Chico Pacheco.

A praia ficou para os primeiros, a praça para os segundos. Em Plataforma, o Padre Justo recebia as notícias, botava as mãos na cabeça: como escolher, no próximo ano, o padrinho das festas de São João?

No meio disso tudo, um homem permanecia calmo e tranquilo, a sorrir seu sorriso bonachão; “a trepar nos rochedos para espiar, Com a luneta, a chegada dos navios; a preparar seu grogue quente, à noite; a ganhar no poker e a contar suas histórias: o Comandante Vasco Moscoso de Aragão.

Quando lhe chegaram aos ouvidos os primeiros rumores da agitação provocada por Chico Pacheco, ele confidenciou aos íntimos:

- Puro despeito...

E encolheu os ombros, dispondo-se a desconhecer tudo aquilo. Não lhe foi possível, porém, pois uma parte dos atentos ouvintes de antes virava-lhe as costas e muitos riam de suas histórias.

E seus próprios partidários disseram-lhe ser necessário fazer qualquer coisa que provasse, sem sombra de dúvida, a inverdade da narrativa do ex-fiscal do consumo, Zequinha Curvelo, após o quase pugilato com Chico Pacheco, abriu-lhe o coração:

- Comandante, me desculpe, mas é preciso fazer alguma coisa para silenciar esses caluniadores.

- Creio que você tem razão. Pensei em não tomar conhecimento dessas misérias. Mas, como há quem acredite nelas, só resta tomar uma atitude...

Estava num dos seus melhores momentos: a mão apoiada na janela, o olhar perdido nas águas, a cabeleira agitada pela brisa.

- Você, caro amigo, e Rui Pessoa estão designados como minhas testemunhas para desafiar esse caluniador para um duelo. Como sou o insultado, tenho direito à escolha das armas. Exijo revólver de seis tiros, podendo-se usar toda a munição. Ficaremos a vinte passos um do outro, o local será a praia. O morto rolará no mar.

O entusiasmo dominou Zequinha Curvelo, saiu apressado para sua missão. Fracassou. Chico Pacheco não quis sequer nomear padrinhos. Não era homem para duelos, isso era idiotice sem cabimento, em nossa época o duelo havia passado de moda, coisa ridícula.

Ele, Chico Pacheco, tinha horror a armas de fogo, não gostava nem de vê-las. E o charlatão andara privando com oficiais do Exército e da Marinha, era capaz de ter aprendido a atirar, possuir boa pontaria.

Nessa ele não se metia. Se o charlatão quisesse, recorresse à Justiça, iniciasse um processo por difamação, e ele, Chico Pacheco, iria provar tudo quanto contara.

Se tivesse coragem, fosse à Justiça. Um duelo não provava nada, levava vantagem quem fosse melhor atirador. Não, não queria saber de duelos.

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