Deviam ser milionários, cogitava o comandante... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 119
- Mas então, não sabe ainda?
- Estou tirando a prova...
Paciência, ela queria assim, que fosse.
Em realidade não tinha importância, não era com o sobrenome dela, com os
parentes que ia casar-se.
Ela tinha razão. Não podia, porém,
deixar de fazer cogitações em torno daquele segredo. Pertenceria Clô, com
certeza, a família ilustre e previdente, da alta roda, da elite paraense,
riquíssima, com foros de nobreza como Madalena Pontes Mendes.
Aliás, no começo da viagem, quando
apenas reparara nela, ouvira um passageiro a tecer comentários em torno da
excelente situação financeira do irmão de Clô.
Deviam ser milionários, cogitava o comandante:
donos de extensões de terras vastas como países, com florestas inteiras de
seringais, ilhas no Amazonas, índios, onças e serpentes de vinte metros.
Quem sabe, e todo aquele mistério era o
receio que tinha de que o irmão se opusesse ao casamento de tão rica herdeira
com um simples comandante de navio, aposentado capitão-de-longo-curso? Podiam
imaginá-lo um aventureiro, sabido vigarista, querendo meter a mão na fortuna da
noiva.
Mas, se era tão rica, por que dava aulas
de piano? Por desfastio certamente, para matar o tempo e por amor à música. Na
primeira oportunidade, fez-lhe saber não se reduzirem suas posses e haveres à
aposentadoria. Tinha casa própria e excelente, em Periperi, uma das praias mais
elegantes de Salvador, apólices do governo em quantidade, renda mais que
necessária para garantir-lhe - e a ela - vida larga e confortável.
Clô estendeu-lhe as mãos:
- Mesmo que você fosse pobre como Jó.
Em Fortaleza, naquele tempo, os navios
não atracavam, não existia cais do porto. Era um espectáculo o desembarque dos
passageiros, saltando da escada descida sobre as águas para os pequenos barcos
veleiros.
Gritinhos de senhoras, risadas,
indecisões e os remeiros de musculoso peito e pele de bronze a sustentar as
embarcações junto da escada. O advogado paraense, na proa de um barco, equi librado nas pernas semi-abertas, fez uma
demonstração de força: tomou de Moema, a mameluca, parada no último degrau da
escada, segurando-a pela cintura, elevando-a no ar e pousando o corpo trémulo
ao seu lado.
Durante um minuto estiveram os dois de
pé, firmes na proa que as ondas elevavam e baixavam, belos e fortes, batidos
pelo vento. Tanto não podia fazer o comandante, não que lhe faltassem forças e
disposição, mas não só era a risonha baqueana demasiado robusta para tais
riscos, como não ficava bem.
Antes, quando se encontrava na ponte de
comando, viera dona Domingas despedir-se, agradecer-lhe as atenções:
- O senhor foi um comandante perfeito,
dá gosto viajar com o senhor. –
Estendia-lhe a mão formosa onde
cintilava o anel. Cumprimentava o imediato, os pilotos, acrescentando: - Os
senhores têm a sorte de possuir um capitão com a capacidade do Comandante
Vasco.
- Um dia lhe farão justiça... -
respondeu o imediato, frase um pouco esdrúxula, devida, com certeza, à
atrapalhação das manobras.
Veio despedir-se também o atlético
bancário. Passara todo o resto da viagem a escrever cartas para a moça
pernambucana, em Natal enchera a caixa do correio.
- Senhorita muito distinta... - elogiava
o comandante, ao abraçar o rapaz apaixonado.
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