Mas agora creio em si, estou morrendo de amor... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 115
Os dois políticos concordavam, sorriam,
admiravam o herói apresentado por Sua Excelência, o Senador.
- Venham comigo, quero que vejam uma
coisa notável de Natal. Uma coisa que só existe aqui ,
única no Brasil, obra extraordinária. O senhor precisa conhecer, Comandante.
Garanto que, em todas as suas andanças, nunca viu nada igual.
Arrastou-os a visitar uma escola
doméstica, instituição bem instalada, cujo objectivo era preparar as moças
ricas do Estado para o casamento, ornamentando-as com todas as prendas
necessárias.
Foram de má vontade, o comandante
amaldiçoando a simpatia do senador, a interromper a conversa com Clotilde logo
que ele começara a entrar no assunto, a encontrar as palavras decisivas.
Clotilde, os olhos muito românticos, um ar absorto e ausente, seguia como a
vogar nas nuvens.
Voltaram às pressas para o navio, haviam
demorado na escola doméstica mais do que esperavam. A directora não perdoava o
menor detalhe: mostrava tudo, tudo explicava, orgulhosa do estabelecimento, das
alunas, das prendas, do ensino.
- Agora, diga-me, Comandante: em alguma
parte por onde o senhor passou, já viu coisa semelhante?
Melhor ou que se comparasse? - não esperava a
resposta, acrescentava: - Não existe no mundo inteiro nada igual. Aliás, até os
suíços - os suíços, sim senhor! – reconhecem isso.
Da Suíça já chegaram cartas pedindo informações sobre
a Escola. Da Suíça, sim, senhor!
- Obra notável, notabilíssima! -
concordou o comandante, desanimado, perdida aquela grande oportunidade, quando
Clotilde estava comovida, ante a beleza da praia, o momento propício.
Mas. à noite, após o jantar e rápida
passagem pelo salão onde ela experimentou o piano afinado por um competente
artesão de Natal, Clotilde perguntou-lhe se o comandante não desejava dar uma
volta.
- É noite de lua cheia... - e riu seu
riso brusco. Descompassou-se o coração de Vasco, era a ansiada oportunidade.
Subiram para a coberta superior, deserta.
De sangue e ouro era feita a grande lua
cheia, a crescer no mar.
- Espie... - disse ela andando para
amurada.
Saía a lua do meio das águas, onde
dormira e descansara, ia começar sua revista dos namorados e amantes, nas
praias e ruas, no cais da Bahia, em perdidos portos e nas cobertas dos navios.
O óleo denso do luar derramava-se sobre
as verdes águas nordestinas e os ventos do Nordeste, o Terral de Pernambuco, o
Aracati do Ceará, chegaram do sul e do norte para saudar a lua em mansas
revoadas de brisa.
Dentro do luar navegava o Ita, naquela
noite mágica, quando o comandante, colocado atrás de Clotilde, tomou-lhe das
mãos e falou com voz de amor e medo:
- Clotilde! Ah! Clotilde malvada...
- Malvada, eu? - estremeceu, e sua voz
era apenas murmurada. - Por que diz isso, Comandante?
- Então não vê, não compreende, não
sente?
- Não creio nos homens...
- Eu também não acreditava nas
mulheres... Mas agora creio em si, estou morrendo de amor...
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