quarta-feira, junho 25, 2014

Mas agora creio em si, estou morrendo de amor...
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 115









Os dois políticos concordavam, sorriam, admiravam o herói apresentado por Sua Excelência, o Senador.

- Venham comigo, quero que vejam uma coisa notável de Natal. Uma coisa que só existe aqui, única no Brasil, obra extraordinária. O senhor precisa conhecer, Comandante. Garanto que, em todas as suas andanças, nunca viu nada igual.

Arrastou-os a visitar uma escola doméstica, instituição bem instalada, cujo objectivo era preparar as moças ricas do Estado para o casamento, ornamentando-as com todas as prendas necessárias.

Foram de má vontade, o comandante amaldiçoando a simpatia do senador, a interromper a conversa com Clotilde logo que ele começara a entrar no assunto, a encontrar as palavras decisivas. Clotilde, os olhos muito românticos, um ar absorto e ausente, seguia como a vogar nas nuvens.

Voltaram às pressas para o navio, haviam demorado na escola doméstica mais do que esperavam. A directora não perdoava o menor detalhe: mostrava tudo, tudo explicava, orgulhosa do estabelecimento, das alunas, das prendas, do ensino.

- Agora, diga-me, Comandante: em alguma parte por onde o senhor passou, já viu coisa semelhante?

 Melhor ou que se comparasse? - não esperava a resposta, acrescentava: - Não existe no mundo inteiro nada igual. Aliás, até os suíços - os suíços, sim senhor! – reconhecem isso.

 Da Suíça já chegaram cartas pedindo informações sobre a Escola. Da Suíça, sim, senhor!

- Obra notável, notabilíssima! - concordou o comandante, desanimado, perdida aquela grande oportunidade, quando Clotilde estava comovida, ante a beleza da praia, o momento propício.

Mas. à noite, após o jantar e rápida passagem pelo salão onde ela experimentou o piano afinado por um competente artesão de Natal, Clotilde perguntou-lhe se o comandante não desejava dar uma volta.

- É noite de lua cheia... - e riu seu riso brusco. Descompassou-se o coração de Vasco, era a ansiada oportunidade. Subiram para a coberta superior, deserta.

De sangue e ouro era feita a grande lua cheia, a crescer no mar.

- Espie... - disse ela andando para amurada.

Saía a lua do meio das águas, onde dormira e descansara, ia começar sua revista dos namorados e amantes, nas praias e ruas, no cais da Bahia, em perdidos portos e nas cobertas dos navios.

O óleo denso do luar derramava-se sobre as verdes águas nordestinas e os ventos do Nordeste, o Terral de Pernambuco, o Aracati do Ceará, chegaram do sul e do norte para saudar a lua em mansas revoadas de brisa.

Dentro do luar navegava o Ita, naquela noite mágica, quando o comandante, colocado atrás de Clotilde, tomou-lhe das mãos e falou com voz de amor e medo:

- Clotilde! Ah! Clotilde malvada...

- Malvada, eu? - estremeceu, e sua voz era apenas murmurada. - Por que diz isso, Comandante?

- Então não vê, não compreende, não sente?

- Não creio nos homens...

- Eu também não acreditava nas mulheres... Mas agora creio em si, estou morrendo de amor...

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