segunda-feira, junho 23, 2014

Na Índia tratavam-me por "Mão-de-Ferro
OS VELHOS
 MARINHEIROS
(Jorge Amado)

Episódio Nº 113










Cada um pensa como quer. Eu, lhe confesso, não me meto em política. Já me meti, aqui e até no estrangeiro. Aqui, quando governava a Bahia o saudoso José Marcelino, de quem tive a honra de ser amigo.

Em Portugal, por ocasião do assassinato do rei D. Carlos, quando, revoltado com o crime, me coloquei à disposição da realeza. Mas, depois disso, nunca mais quis saber da política. O senhor tem suas razões, não sou eu quem vá negá-las...

- Esse governo está levando o país ao abismo...

- Não discuto... Pode ser... Não me leve a mal, porém, se lhe digo que não me parece bem um oficial de bordo a exaltar os ânimos dos passageiros. Não estou lhe repreendendo, longe de mim tal ideia. Mas, veja: o senador veio fazer uma reclamação. Queria até dirigir um ofício à Companhia... Creio que o meu jovem amigo devia evitar essas conversas.

- Esse senador é dos piores. Conheço uns casos dele, escandalosos. O do porto de Natal bastaria para botá-lo na cadeia a vida toda. E a rapariga que ele empregou no Senado? Até o Mário Rodrigues fez um artigo sobre o caso, há uns dois anos. O senhor não leu?

- E um passageiro, está no navio, é só o que nos importa. Peço-lhe que não volte a participar dessas conversas.

- Sou um cidadão brasileiro, exerço meus direitos... Converso o que quiser e onde quiser.

Vasco Moscoso de Aragão olhou o mar em sua frente, plantou-se no convés de seu navio:

- E eu sou o Comandante. Estou lhe dando uma ordem. Boa noite.

Largou ali o estupefacto segundo-piloto, “o homenzinho tem topete”, sem saber o que fazer. Primeiro pensou em voltar ao salão, mas a irritação do senador, a ameaça de uma carta à Companhia, fê-lo reflectir. Dirigiu-se à ponte de comando, foi desabafar.

Vasco entrou no salão, onde Clotilde o buscava apreensiva. Aproximou-se, disse-lhe:

- Espera-me um momento, volto já ...

Não vira o senador, dirigiu-se à sala de jogo. O parlamentar, sorumbático, lia uma revista.

- Senador, venha fazer-nos companhia no salão. Sua ausência está sendo notada.

- Não estou disposto a ouvir insultos e ameaças. Sou um Senador da República.

- Pode vir tranquilo. Já tomei as providências necessárias.

- Ainda bem. Porque o senhor não me conhece, sou estourado. Se continuasse a ouvir as barbaridades daquele rapaz, era muito homem de perder a cabeça e meter-lhe a mão na cara...

- Não pense mais nisso. Em navio sob meu comando, a tripulação é disciplinada. Na índia tratavam-me de Mão de Ferro...

Dançou, até a meia-noite, com Clotilde. Contou-lhe o incidente com minúcias, depois - uma coisa puxa a outra - sua participação nas lutas dos monarquistas e republicanos em Portugal, levado por nobres sentimentos de gratidão ao Rei D. Carlos I.

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