Na Índia tratavam-me por "Mão-de-Ferro |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 113
Cada um pensa como quer. Eu, lhe
confesso, não me meto em
política. Já me meti, aqui
e até no estrangeiro. Aqui , quando
governava a Bahia o saudoso José Marcelino, de quem tive a honra de ser amigo.
Em Portugal, por ocasião do assassinato
do rei D. Carlos, quando, revoltado com o crime, me coloquei à disposição da
realeza. Mas, depois disso, nunca mais qui s
saber da política. O senhor tem suas razões, não sou eu quem vá negá-las...
- Esse governo está levando o país ao
abismo...
- Não discuto... Pode ser... Não me leve
a mal, porém, se lhe digo que não me parece bem um oficial de bordo a exaltar
os ânimos dos passageiros. Não estou lhe repreendendo, longe de mim tal ideia. Mas,
veja: o senador veio fazer uma reclamação. Queria até dirigir um ofício à
Companhia... Creio que o meu jovem amigo devia evitar essas conversas.
- Esse senador é dos piores. Conheço uns
casos dele, escandalosos. O do porto de Natal bastaria para botá-lo na cadeia a
vida toda. E a rapariga que ele empregou no Senado? Até o Mário Rodrigues fez
um artigo sobre o caso, há uns dois anos. O senhor não leu?
- E um passageiro, está no navio, é só o
que nos importa. Peço-lhe que não volte a participar dessas conversas.
- Sou um cidadão brasileiro, exerço meus
direitos... Converso o que qui ser e
onde qui ser.
Vasco Moscoso de Aragão olhou o mar em
sua frente, plantou-se no convés de seu navio:
- E eu sou o Comandante. Estou lhe dando
uma ordem. Boa noite.
Largou ali o estupefacto segundo-piloto,
“o homenzinho tem topete”, sem saber o que fazer. Primeiro pensou em voltar ao
salão, mas a irritação do senador, a ameaça de uma carta à Companhia, fê-lo
reflectir. Dirigiu-se à ponte de comando, foi desabafar.
Vasco entrou no salão, onde Clotilde o
buscava apreensiva. Aproximou-se, disse-lhe:
- Espera-me um momento, volto já ...
Não vira o senador, dirigiu-se à sala de
jogo. O parlamentar, sorumbático, lia uma revista.
- Senador, venha fazer-nos companhia no
salão. Sua ausência está sendo notada.
- Não estou disposto a ouvir insultos e
ameaças. Sou um Senador da República.
- Pode vir tranqui lo.
Já tomei as providências necessárias.
- Ainda bem. Porque o senhor não me
conhece, sou estourado. Se continuasse a ouvir as barbaridades daquele rapaz,
era muito homem de perder a cabeça e meter-lhe a mão na cara...
- Não pense mais nisso. Em navio sob meu
comando, a tripulação é disciplinada. Na índia tratavam-me de Mão de Ferro...
Dançou, até a meia-noite, com Clotilde.
Contou-lhe o incidente com minúcias, depois - uma coisa puxa a outra - sua
participação nas lutas dos monarqui stas
e republicanos em Portugal, levado por nobres sentimentos de gratidão ao Rei D.
Carlos I.
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