quinta-feira, julho 17, 2014

Conveniente, para quê, Natário?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 3



















- O vizinho perdeu a cabeça, mandou buscar jagunço até em Alagoas. Sergipano tem aos montes, nem dá pra contar. Seu Natário, preste atenção...

- Estou prestando, Coronel.

 - Ou a gente se cuida, faz um plano, arma uma trampa bem armada, ou se estrepa. Tenho de me precaver, em campo raso ninguém pode com o vizinho.  - Dizia “vizinho” para não pronunciar o nome do desafecto.

Ficara nessas vagas referências, mesmo porque ainda não havia estabelecido o plano, imaginado a trampa, somente em Ilhéus concebera os detalhes. Como era possível então que o capataz se referisse a determinado lugar, respondendo à sua preocupação, à pergunta que ainda não lhe fizera?

Lugar muito conveniente. O coronel Boaventura sentiu o coração pulsar mais forte: por acaso teria Natário o dom de ler os pensamentos? Em se tratando de gente de sangue índio nunca se pode saber. O capataz falara exactamente quando o Coronel reflectia sobre a urgente necessidade de encontrar local adequado onde armar a trampa, operação principal do plano elaborado em segredo.

Natário respondia directamente a seu pensamento, antes que o Coronel abrisse a boca para anunciar a decisão tomada:

 - Conveniente, para quê, Natário?

O sorriso se ampliou no rosto tranquilo do mameluco. Não fossem os pequenos olhos penetrantes, passaria por indivíduo dócil e pacato, simplório. Apenas os que o conheciam de perto, os que o tinham visto em acção em momentos críticos, sabiam quanta capacidade de decisão e raciocínio, de valentia e comando se escondia sob a face estática.

 - Para uma tocaia grande, Coronel, melhor lugar, não conheço. Coincidência, sem dúvida, não havia outra explicação. Ainda bem, pois se Natário adivinhasse pensamento alheio, não restaria escolha ao Coronel senão mandar liquidá-lo. O que seria uma lástima: cabra de tanta competência não se encontrava vagando nas estradas.

Natário servia ao coronel Boaventura há mais de quinze anos, com uma lealdade repetidas vezes posta à prova nas lutas passadas, por duas ocasiões lhe salvara a vida. Quando chegara à Atalaia pedindo couto - havia matado um comerciante numa casa de putas em Propriá -  era um rapazola imberbe, ninguém daria nada por ele.

 Hoje, o nome de Natário corre mundo, respeitado, bem visto por uns, odiado por outros, temido por todos: quando abre a boca faz-se silêncio para ouvi-lo, quando saca da arma é um “deus-nos-acuda”, um “salve-se-quem-puder”!

Em troca da dedicação e dos bons serviços, o patrão lhe prometera um pedaço de terra, com escritura lavrada em cartório, no qual Natário plantasse roça de cacau, estabelecesse fazenda logo que o barulho terminasse. O Coronel não se arrepende da promessa: adivinho ou não, Natário era merecedor.

 -  Todo lugar serve para se armar uma trampa — o Coronel evitava usar a palavra tocaia -  basta uma árvore bem situada e um cabra bom na mira.

Natário abriu ainda mais o sorriso:

— Vosmicê está certo mas eu estou falando de uma tocaia grande que é do que nós precisa. Andam dizendo por aí que os homens que o coronel Elias contratou vão ir para Itabuna por esses dias, mais hoje mais amanhã. Pra cima de vinte homens... - reforçou a voz: — Com um pé de pau e um vivente não basta não senhor.

Estavam a par dos movimentos do coronel Elias, do recrutamento de jagunços, alguns vindos de longe, escolhidos a dedo para garantir a posse do advogadozinho de meia pataca, eleito Intendente com a caução do Governador.

Por que diabo o Governador tomava partido naquela disputa que somente a eles interessava, aos senhores da região? Por que se metia a decidir se não tinha competência para tanto?

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