Fadu baptizava menino a preço de liquidação. |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge
Amado)
Episódio
Nº 12
Deslumbrado
com a vista, pensou haver chegado às planícies do Éden, descritas no livro
sagrado que levava consigo na mala de Mascate pois, em havendo ocasião e
necessidade, seu Fadu baptizava menino a preço de liqui dação.
Arriou
a mala pesada, a cada dia mais pesada, o metro dobrado em dois que usava como
matraca para anunciar a ricos e pobres a presença do comércio e da moda
naqueles cafundós.
Na mala conduzia de um tudo, o necessário e o supérfluo:
tecidos, sedas e chitas, bulgarianas, botinas, borzeguins, linhas, agulhas e dedais,
fitas e rendas, sabonetes, espelhos, perfumes, tisanas, coloridas estampas de
santo e breves contra as febres.
Tirou
o paletó e a camisa, as calças e as ceroulas - nas costas, os vergões deixados pelas correias
da mala, calos nos ombros - descalçou as
sandálias, mergulhou no rio que ali se alargava numa bacia de águas límpidas,
encachoeiradas sobre pedras negras.
Nadou,
divertiu-se espadanando a água, como o fazia na meninice, ao banhar-se no
ribeirão, na aldeia natal. Encontrou parecença entre os dois lugares, apenas as
palmeiras que ali cresciam, nas colinas e no vale, não eram tamareiras.
Saciou a fome, mamões perfumados e doces, maná
do paraíso, dádiva de Deus, do Deus dos maronitas.
Cajás
maduros espalhavam-se pelo chão sob a árvore em cuja sombra se abrigou do sol.
Catou os frutos, rindo de si próprio,
tamanho
homem nu; recordou-se molecote metido no djelabá, recolhendo tâmaras: já então
grandalhão e desengonçado.
Estava
completando qui nze anos da data da
partida. Sabor ácido e agreste dos cajás, tão diferente do paladar suave e
macio das tâmaras maduras, frutos criados uns e outros por Deus para regalo dos
homens.
Fadul
aprendera a crer e a confiar em Deus com seu tio Said
Abdala,
sacerdote maronita de conselho e apetite celebrados.
Vinham
de longe consultá-lo, traziam-lhe tâmaras e uvas que ele comia às mãozadas
enquanto resolvia pendências e anunciava o volume das colheitas; o mel das
frutas escorria-lhe pela comprida barba negra.
Mudara
muito naqueles qui nze anos, o tio
não o reconheceria,
constactou
Fadul saboreando os cajás um a um; mudou por fora e por dentro, prefere os
cajás às tâmaras e as uvas não lhe fazem falta, bastam-lhe as jacas, de
preferência as moles.
Voltara
a nascer naquelas brenhas, o menino vestido com o djelabá ficara para sempre do
outro lado do mar.
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