segunda-feira, julho 28, 2014

Fadu baptizava menino a preço de liquidação.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 12
















Deslumbrado com a vista, pensou haver chegado às planícies do Éden, descritas no livro sagrado que levava consigo na mala de Mascate pois, em havendo ocasião e necessidade, seu Fadu baptizava menino a preço de liquidação.

Arriou a mala pesada, a cada dia mais pesada, o metro dobrado em dois que usava como matraca para anunciar a ricos e pobres a presença do comércio e da moda naqueles cafundós.

 Na mala conduzia de um tudo, o necessário e o supérfluo: tecidos, sedas e chitas, bulgarianas, botinas, borzeguins, linhas, agulhas e dedais, fitas e rendas, sabonetes, espelhos, perfumes, tisanas, coloridas estampas de santo e breves contra as febres.

Tirou o paletó e a camisa, as calças e as ceroulas -  nas costas, os vergões deixados pelas correias da mala, calos nos ombros -  descalçou as sandálias, mergulhou no rio que ali se alargava numa bacia de águas límpidas, encachoeiradas sobre pedras negras.

Nadou, divertiu-se espadanando a água, como o fazia na meninice, ao banhar-se no ribeirão, na aldeia natal. Encontrou parecença entre os dois lugares, apenas as palmeiras que ali cresciam, nas colinas e no vale, não eram tamareiras.

 Saciou a fome, mamões perfumados e doces, maná do paraíso, dádiva de Deus, do Deus dos maronitas.

Cajás maduros espalhavam-se pelo chão sob a árvore em cuja sombra se abrigou do sol. Catou os frutos, rindo de si próprio,
tamanho homem nu; recordou-se molecote metido no djelabá, recolhendo tâmaras: já então grandalhão e desengonçado.

Estava completando quinze anos da data da partida. Sabor ácido e agreste dos cajás, tão diferente do paladar suave e macio das tâmaras maduras, frutos criados uns e outros por Deus para regalo dos homens.

Fadul aprendera a crer e a confiar em Deus com seu tio Said
Abdala, sacerdote maronita de conselho e apetite celebrados.

Vinham de longe consultá-lo, traziam-lhe tâmaras e uvas que ele comia às mãozadas enquanto resolvia pendências e anunciava o volume das colheitas; o mel das frutas escorria-lhe pela comprida barba negra.

Mudara muito naqueles quinze anos, o tio não o reconheceria,
constactou Fadul saboreando os cajás um a um; mudou por fora e por dentro, prefere os cajás às tâmaras e as uvas não lhe fazem falta, bastam-lhe as jacas, de preferência as moles.

Voltara a nascer naquelas brenhas, o menino vestido com o djelabá ficara para sempre do outro lado do mar.


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