Rompera-se por dentro o velho marinheiro |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 127
Os passageiros apontavam para Vasco,
riam, olhando-o de esguelha. Clotilde voltou-lhe o rosto, andou para a escada a
caminho dos parentes. Mas ao pisar no primeiro degrau, parou, lançou-lhe outro
olhar de desdém, tirou do dedo a aliança, atirou para onde ele estava.
Rolou o anel no tombadilho, caiu num
ruído sobre ferros. Turvou-se a vista de Vasco, segurou-se à amurada.
Vacilante, foi andando para a escada, quando um braço tomou do seu, a ajudá-lo:
- Está sentindo alguma coisa,
Comandante?
Era Moema, a mameluca, e entre toda a
multidão no navio e no cais, só ela não ria, e lhe dizia:
- Se importe não...
Nem agradeceu, a voz perdida, perdida a
alegria de viver, a crista caída. Aproximava-se da escada, quando novamente o
interromperam, era o representante da Costeira com os papéis a assinar.
Rabiscou seu nome, prevalecia seu senso de dever.
- Tem quarto reservado para o senhor no
Grande Hotel. O navio sairá amanhã às 17 horas, tem uma cabina de primeira
separada para o senhor - esforçava-se por conter o riso.
Não respondeu, começou a descer a escada
junto com os últimos passageiros. Na terra desconhecida, marinheiros, oficiais
dos navios atracados, gente da Alfândega, dos armazéns do porto, e muitos e
muitos vindos da cidade admiravam o Ita amarrado ao cais com todas as amarras.
Ficaria assim até o dia seguinte, na hora da
partida. Toda a cidade teria tempo de vir ao porto apreciar o inédito espectáculo.
Apontado por uns e outros, acompanhado
pelo riso infindável, Vasco aproximou-se de um carregador:
- Pode me dizer onde encontro uma pensão
barata?
- Só se for a de dona Amparo, mas fica
um bocado longe...
- Pode me indicar o caminho?
- Se qui ser
levo sua mala, e lhe ensino... O senhor dá o que qui ser.
Do alto da ponte de comando, o imediato
e os pilotos viram desaparecer na esqui na
de uma rua o comandante, as costas curvadas, o passo trôpego, como um náufrago
perdido, de repente um ancião.
Prosseguia o riso pelo cais.
Onde a verdade é arrancada do
fundo do poço pelos furiosos ventos desatados
Por volta das cinco horas da tarde,
chegou Vasco à pensão de dona Amparo, cordial cabocla desdentada. Obteve um
quarto com uma rede e a simpatia de dona Amparo, a quem o jeito de Vasco
recordava prestimoso conhecido do Acre.
Perguntou-lhe se estava enfermo. O calor era
asfixiante, Vasco sentou-se na rede, ficou a pensar. Enfermo? Não, estava
vazio, isso sim, não conseguia sequer colocar ordem em suas ideias, nos
problemas a resolver, referentes à sua volta à Bahia, a venda da casa de
Periperi, a compra da outra na Ilha de Itaparica.
Ia um silêncio pela rua pesada de mormaço, mas
ele continuava a ouvir aqueles sons de gargalhada, nunca mais deixaria de
ouvi-los, ressoavam em seu peito.
E
uma dor aguda e eterna. Daquela vez não tinha jeito, Comandante Georges Dias
Nadreau: rompera-se por dentro o velho marinheiro, jamais voltaria a erguer-se
sua crista. Dobrado à tristeza, era o riso da cidade.
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