A festa durou dois dias |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 23
Teria uns cinco anos, não mais, quando o coronel Boaventura trouxe o padre Afonso para benzer a capela que dona Ernestina mandara erguer na fazenda em pagamento de promessa a São José, seu protector, a quem o Coronel devia a vida - a São José e a Natário que apertara o gatilho a tempo: com sua licença, Coronel.
A festa durou dois dias: multidão de
convidados, até da Bahia
veio gente. O padre celebrou missa,
consagrou a imagem do santo, casou os amancebados, baptizou uma batelada de
meninos e uns quantos homens feitos todavia ímpios.
Despropósito de comilança, desparrame de
bebidas, correu cachaça à grande nas casas dos trabalhadores; um despotismo.
Modesto servo de Deus, partidário incondicional
do Coronel, modelo de fé cristã e de civismo grapiúna, padre Afonso pecava pela
gula, comia por um regimento.
Natário aproveitou a festa para casar-se
com Zilda com quem vivia amantizado havia mais de ano. Ele a encontrara vagando
na estrada de Água Preta, pálida, raquítica e assustada, órfã de pai e de mãe,
enterrados juntos pela bexiga. Uma ronda de arrenegados pisava-lhe os
calcanhares, malta de cães atrás de cadela sem dono, cada qual com seu trabuco.
Mais por desenfado do que por apetite, Natário
entrou na competição, mandou Mané Bragado para a terra dos pés juntos: o
lambanceiro o desconhecera e puxara a arma.
Tendo a magricela custado vida de homem, a
levou consigo e em seguida lhe fez um filho.
Calada e submissa, trabalhadeira e
asseada — a casinha de sopapo dava gosto - Zilda ganhou corpo e cores, consideração e afecto,
ficou de vez. Onde arranjou coragem para dizer a seu homem e senhor do desejo
que tinha de se casar com ele?
-
No padre, para não viver contra a lei de Deus; no juiz, não precisava não.
Quando a recolhera, Natário ainda morava
em casa de Florêncio; na rede de solteiro a emprenhou; sob as vistas de
Bernarda, por assim dizer. Bernarda continuava a dormir na sala mas com a
presença de Zilda perdeu o lugar na rede, o balanço e o peito acolhedor.
Por ocasião do baptizado colectivo, Ana
os convidou para padrinhos da menina. Jeitosa, Zilda fez, com trapos velhos,
uma boneca de pano para a afilhada. Natário nada lhe deu além do que ela mais
desejava: poder chamá-lo de padrinho, beijar-lhe a mão e receber a bênção.
Enquanto Florêncio permaneceu na
Atalaia, Bernarda viveu mais em casa dos padrinhos do que na dos pais. Beirava
os dez anos quando Florêncio, tendo-se desentendido com o Coronel por dê-cá-aquela-palha,
arrogância de jagunço que se recusava a pegar no pesado, se mudou para a
Fazenda da Boca do Mato - o coronel Benvindo andava à procura de um bom
clavinoteiro para gritar com os alugados. Natário e Zilda ofereceram-se para
ficar com a afilhada; Florêncio nem qui s
falar no assunto.
Precisavam de Bernarda para ajudar na criação da irmãzinha;
naquele meio tempo Ana desovara mais uma filha, Irará de nome, Irá de apelido.
Depois, quando se deu o acontecido,
Zilda opinou que já então
Florêncio andava de olho na menina.
Com a mudança dos compadres, somente de
raro em raro Natário
voltara a ver Bernarda. Aos trezes anos era moça feita, bonitona, cobiçada.
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