Mulher magra para ele não tinha valor |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 16
Entre as mulheres da vida, gozava de
popularidade. Não se negava a cobrar em espécie caixa de pó-de-arroz, lata de
brilhantina, frasco de água-de-cheiro ou os juros de pequeno empréstimo.
Havia casos, raros é bem verdade, de
prendas grátis, em dias
de extravagância, quando, tomado de amores,
o Grão-Turco perdia o siso: anéis de metal com pedras de vidro, faiscantes;
brincos de fantasia, enfeites lindos. Bijuterias recebidas com emoção, mais
apreciadas do que uma pelega de cinco mil-réis por serem regalos, signos de
bem-querer e não acintoso pagamento.
Sentimental, Fadul se enxodozava com certa
freqüência. Tinha predilecção por moças de farta carnação, de peitaria saliente:
seios volumosos, bons para apertar com a mão enorme.
Mulher magra para ele não tinha valor,
quem aprecia ossos é coveiro, como diz o povo coberto de razão.
Conhecido e estimado em fazendas e
povoados, possuía
compadres e afilhados. Fiava com
relativa facilidade mas, na época do vencimento, mais dia menos dia, comparecia
para cobrar a dívida.
Se o freguês mudava de residência, ia
descobri-lo onde estivesse, andava léguas e léguas, implacável. Admitia atrasos
mas, para compensá-los, introduziu a norma do juro bancário nas selvas do
cacau: além de mercadorias, conduzia o progresso na mala de mascate.
Prudente, conciliador, houve quem o
tomasse por medroso,
tamanho corpanzil e tão cagão, juízo que
não fez carreira: armado com um simples canivete, seu Fadu cobrou dívida a
Terêncio, cabra de maus bofes, clavinoteiro.
Garguelou o empapuçado, pinicou-lhe o gogó com
a lâmina afiada — usada para descascar laranjas e rasgar furúnculos - recebeu na hora os três mil-réis, os juros e
as desculpas.
Ao saber desse enredo, o capitão Natário, morto
de riso, achou-o sobretudo cómico. Sem embargo, tendo o regatão em grande
estima, deu-lhe um revólver de presente: por vezes a força das mãos e um
canivete não são suficientes. Um queimante impõe respeito, compadre.
Livrou-se da acusação de frouxo, jamais
da de ladrão. Essa
cresceu e correu mundo, notória e unânime.
No mercado improvisado à sua chegada nas fazendas, tratavam-no de turco ladrão enquanto
pechinchavam no preço das mercadorias expostas: convidativas e cobiçadas.
Fingindo-se ferido em seus melindres, seu Fadul ameaçava recolher chitas e
alfinetes, pentes e broches, cintos e cartucheiras, a sedução irresistível do
comércio, e ir vender mais adiante.
A
negociação prosseguia entre exclamações e pragas, risos e suspiros, insultos e
lisonjas: de gatuno a turqui nho bendito
de minha alma.
Diziam-lhe ladrão na tampa mas sem
raiva, sem intenção de
ofensa, fazia parte do engodo, da
pechincha, do prazer da compra e venda.
Gatuno, sem dúvida, mas um homem bom
como aliás ele
próprio não se cansava de afirmar aos
berros:
-
Turco ladrão é a mamãezinha de vocês. Queria saber, se
não fosse Fadul, homem bom, temente a
Deus, quem é que ia vir nesse cu-de-judas para servir vocês? Em vez de me
xingar, deviam me agradecer e convidar para um gole de pinga, povo ingrato!
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