Bernarda se impunha, predilecta. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 42
Bernarda agradecera e recusara. Estava às ordens para quando seu Fadu necessitasse, sentisse vontade de dormir com ela, na casa que escolhesse, na cama que preferisse, bastava dar com a mão. Pagaria se
Viver amancebada, porém, muito obrigada, não
queria não. Nem com Fadul nem com ninguém, fosse quem fosse. Contou a novidade
a Coroca:
-
Sabe? Seu Fadu me deu um frasco de cheiro. Seu Fadu é boa pessoa. Me chamou
para morar com ele.
-
Amigada?
-
Como estou dizendo a vosmicê.
- Morar com o turco? Tu tá feita na
vida, sujeita danada de sorte.
-
Não qui s não. Não quero me amarrar
com ele nem com nenhum.
-
E por que não?
-
Viver junto só
com homem que a gente queira bem. Bem de verdade.
-
Pensei que tu tinha um rabicho pelo turco.
-
Possa ser. Mas não vou morar com ninguém por xodó ou por dinheiro. — Pensativa,
os olhos no chão, explicou:
-
Viver junto, que nem marido e mulher, só por bem de amor que dura a vida toda,
que magoa a maldita e o coração. Não podendo ser assim, pra mim se acabou. Mais
melhor ser rapariga.
Conheciam-se as duas havia pouco tempo,
recentes no lugar e na convivência, Coroca não fez comentários, engoliu
perguntas e conselhos.
Bernarda levantou a vista, riu e astuciou:
-
Tocaia Grande é lugar de homem bonito. Seu Fadu, Pedro
Cigano, Bastião da Rosa e o mais bonito,
meu Padrinho.
Bernarda se impunha, predilecta. Predilecta
de todos, cativante; disputada na noite dos tropeiros, nem sempre livre para o
apetite de Fadul.
De longe em longe, quando cansava da mesqui nha escolha, o árabe fazia vir uma rapariga de
Itabuna, custava um dinheirão.
3
Terminava de acordar junto ao balcão
enquanto servia a primeira cachaça dos tropeiros. Aquele era o dinheiro mais
penoso de ganhar: de madrugada, na antemanhã, sem ter tido tempo para aliviar a
barriga e lavar o corpo.
Assim pudesse, deixaria para outro aquela
usura, dedicando-se unicamente a ganâncias mais vultosas, a canseiras menos
molestas.
Defecava no mato, atento às cobras.
Mergulhava nas águas do rio, limpando-se do suor, do fedor dos percevejos e das
visões nocturnas. Alvejava os dentes esfregando-os com fumo de corda; soprava
as cinzas reavivando as brasas sob a trempe de ferro, luxo asiático adqui rido a preço de liqui dação
numa cobrança de dívida em
Taquaras. Punha água a ferver para o café na vasilha de lata.
Novamente em paz consigo mesmo, matutava
sobre a vida e seus percalços. Não sendo ainda fácil, a prebenda já fora mais
difícil.
Tinha certeza de que, se desistisse, em
seguida se arrependeria: a graça de Deus não se destina aos homens de pouca fé.
Para merecê-la e converter-se num comerciante rico e respeitado, devia mostrar-se
à altura do rude desafio.
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