quarta-feira, setembro 03, 2014

Bernarda se impunha, predilecta.
TOCAIA GRANDE

(Jorge Amado)


Episódio Nº 42

















Bernarda agradecera e recusara. Estava às ordens para quando seu Fadu necessitasse, sentisse vontade de dormir com ela, na casa que escolhesse, na cama que preferisse, bastava dar com a mão. Pagaria se quisesse: deitar com cidadão tão cortês, homem tão quente e bem servido, dispensava pagamento.

Viver amancebada, porém, muito obrigada, não queria não. Nem com Fadul nem com ninguém, fosse quem fosse. Contou a novidade a Coroca:

 - Sabe? Seu Fadu me deu um frasco de cheiro. Seu Fadu é boa pessoa. Me chamou para morar com ele.

 - Amigada?

 - Como estou dizendo a vosmicê.

- Morar com o turco? Tu tá feita na vida, sujeita danada de sorte.

 - Não quis não. Não quero me amarrar com ele nem com nenhum.

 - E por que não?

 - Viver junto só com homem que a gente queira bem. Bem de verdade.

 - Pensei que tu tinha um rabicho pelo turco.

 - Possa ser. Mas não vou morar com ninguém por xodó ou por dinheiro. — Pensativa, os olhos no chão, explicou:

 - Viver junto, que nem marido e mulher, só por bem de amor que dura a vida toda, que magoa a maldita e o coração. Não podendo ser assim, pra mim se acabou. Mais melhor ser rapariga.

Conheciam-se as duas havia pouco tempo, recentes no lugar e na convivência, Coroca não fez comentários, engoliu perguntas e conselhos.

 Bernarda levantou a vista, riu e astuciou:

 - Tocaia Grande é lugar de homem bonito. Seu Fadu, Pedro
Cigano, Bastião da Rosa e o mais bonito, meu Padrinho.

Bernarda se impunha, predilecta. Predilecta de todos, cativante; disputada na noite dos tropeiros, nem sempre livre para o apetite de Fadul.

 De longe em longe, quando cansava da mesquinha escolha, o árabe fazia vir uma rapariga de Itabuna, custava um dinheirão.

3

Terminava de acordar junto ao balcão enquanto servia a primeira cachaça dos tropeiros. Aquele era o dinheiro mais penoso de ganhar: de madrugada, na antemanhã, sem ter tido tempo para aliviar a barriga e lavar o corpo.

 Assim pudesse, deixaria para outro aquela usura, dedicando-se unicamente a ganâncias mais vultosas, a canseiras menos molestas.

Defecava no mato, atento às cobras. Mergulhava nas águas do rio, limpando-se do suor, do fedor dos percevejos e das visões nocturnas. Alvejava os dentes esfregando-os com fumo de corda; soprava as cinzas reavivando as brasas sob a trempe de ferro, luxo asiático adquirido a preço de liquidação numa cobrança de dívida em Taquaras. Punha água a ferver para o café na vasilha de lata.

Novamente em paz consigo mesmo, matutava sobre a vida e seus percalços. Não sendo ainda fácil, a prebenda já fora mais difícil.

Tinha certeza de que, se desistisse, em seguida se arrependeria: a graça de Deus não se destina aos homens de pouca fé. Para merecê-la e converter-se num comerciante rico e respeitado, devia mostrar-se à altura do rude desafio.

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