Cachorrão chegou cigana que você estava esperando... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 55
Na cama, vez por outra, destrambelhava: talvez por isso mesmo apenas estranhos a escolhiam; os conhecidos somente em último recurso iam com ela. Atracada ao parceiro dizia coisas ininteligíveis, desmanchava-se em pranto, ria às gargalhadas, recusava a paga. Como se, de súbito, houvesse reencontrado perdido xodó.
Como se o desconhecido freguês fosse
pessoa sua, marido ou amásio, e ela própria fosse outra, não a mansa Maria Gina
que entrava mata adentro, e, quando todos pensavam ter-se perdido para sempre,
regressava vestida de folhagens e de flores. Mansa, não fazia mal a ninguém.
Na noite dos ciganos, caminhando sobre o
tapete de luar, Marta Gina cumpria seu destino da mesma
maneira que a corte real da Babilónia. Nos lábios o sorriso inteiro.
De longe podia-se reconhecer quem vinha
vindo: a lua se derramava nos caminhos, o negror da
noite fora extinto.
Não de todo, no entanto, pois vivente
algum soube explicar nos limites de Tocaia Grande o sumiço do cigano Miguel,
dos quatro trapaceiros o mais moço, e de Guta, enrabichada e atrevida.
Em que esconderijo, em que escuridão haviam se
metido?
O último a vê-los foi Dudu Tramela à
meia distância entre o
depósito de cacau e a venda de Fadul.
Iam abraçados, tão fora do mundo que passaram perto dele sem notar a presença
do moleque apesar da claridade.
-
Valha-me Deus! - Murmurou o falastrão pensando no que poderia acontecer quando
o casal chegasse à palhoça da rapariga onde Dorindo devia estar à espera,
impaciente.
Maluco por Guta, Dorindo comia fogo,
vomitava enxofre. Mas, pelo visto, os namorados não se dirigiram à palhoça e contra
a perspectiva de Dudu o encontro não se deu naquela hora.
Igual ao que se passou com Maria Gina,
desapareceram nas dobras do luar enquanto o velho Josef tomava o rumo do
descampado indo ao encontro dos tropeiros a fim de mercadejar qui nqui lharias
e cavalos. Uma surda cantoria de sapos celebrava a lua cheia.
Para ler a sorte das mulheres, quanto
mais idosa e bruxa a qui romante,
mais acreditada. Para tomar, porém, da mão dos homens, medir com a unha a linha
do destino, olhar nos olhos do freguês ao falar de paixão desesperada, a cigana
deve ser jovem e atraente, promessa e tentação no ciciar da voz.
Quando a velha Júlia, uma harpia curvada
pela idade, desembocou no rancho dos tropeiros propondo-se a lhes revelar o ontem
e o amanhã, Maninho, ocupado em chamuscar a carne seca, gracejou com seu
segundo:
- Cachorrão, chegou a cigana que ocê tava
esperando...
- Essa, nem de graça - Rosnou Valério Cachorrão.
Mas
entregou a mão a Malena assim a diaba apareceu na sombra de Josef, ele
oferecendo animais de raça para venda e troca, para qualquer negócio, ela
transando vaticínios.
Apenas
vaticínios?
Valério Cachorrão, traquejado, achou que
Malena estava
sugerindo muito mais: tinha razão para
assim pensar e agir em consequência pois outra coisa não fizera a disgramada
além de fretar-se com o maior descaramento.
- Não quer que a cigana leia sua mão, meu
bonitão? - disse
ela
dirigindo-se ao ajudante de tropeiro e repetiu abrindo os lábios num sorriso
provocante: - Vamos, bonitão!
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