Eras folgazão, diziam-te Grâo - Turco. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 40
A primeira casa de pedra e cal foi erguida pelo negro Castor
a fim de abrigar o malho e a bigorna,
meses depois da história do dente de Clorinda, a vistosa amásia de Manuel
Bernardes.
Segundo os diz-que-diz-que, o ferrador
contou com a ajuda do coronel Robustiano de Araújo, que lhe adiantou algum
dinheiro sem juros e sem prazo para pagamento:
-
Esse negro é astuto. Se não cair numa esparrela, vai enricar.
É um atrevido, aprendeu com as gringas,
por isso é abusado; mais enxerido nunca vi.
O ARRUADO NO
TEMPO DAS VACAS MAGRAS, FADUL ABDALA, VÍTIMA DE PESADELOS, TENTA AMANCEBAR-SE
1
O
tempo das vacas gordas tardava a chegar sujeitando a paciência e o ânimo de
Fadul a provas difíceis, a penas atrozes. Não obstante manteve-se firme, leal
ao trato feito: estava cumprindo sua parte, Deus não haveria de faltar com a
dele. Fadul não perdia ocasião de relembrar - com humilde prece quase sempre,
com irada praga quando em desespero - os solenes compromissos assumidos - o
Senhor trouxera-o pela mão àquele lugar para que ali se estabelecesse e
enricasse, consumando seu destino.
Em determinadas ocasiões, contudo,
vacilou e esteve à beira
da capitulação. Outros horizontes se
ofereciam com perspectivas imediatas, atraentes visões, enquanto ele penava na
limitada e lerda gestação de Tocaia Grande.
Disposto a ganhar-lhe a alma, o Demónio fazia
misérias para convencê-lo: montava mirabolantes esquemas, promovia aliciantes
propostas, acendia miragens no açodamento do eremita.
Para conqui stá-lo,
o Indigno usava e abusava da estampa fatal
de Zezinha do Butiá. A cruel invadia-lhe
o quarto de dormir,
impudica e insolente, para perturbar as
contadas, indispensáveis horas de descanso.
Acontecia invariavelmente nas noites da
mais árdua trabalheira quando, ao fim da insana lufa-lufa, Fadul atirava se na
cama a corpo morto em busca do necessário repouso, do sono reparador, de um
sonho propício em cujas reconfortantes peripécias se reconhecesse rico e
respeitado.
Ao contrário, via-se enredado em
ansiedade e bate-boca. Apenas adormecia, ela desembarcava desnuda e
deslumbrante. Ofuscando-lhe os olhos fechados, exibia-se o xibiu de Zezinha, o
próprio paraíso, pátria do deleite, maná e néctar.
Exibido e recusado. A filha do cão
desmandava-se provocante, pintando o sete, a manta e os canecos para levá-lo ao
descaminho. Imperioso convite no requebro, no dengue, na meiguice; recusa
violenta no desprezo e na injúria - língua de serpente, viperina.
Que fazes enterrado nesse buraco imundo,
nesses perdidos cafundós? Turco ignorante, bestalhão!
Antigamente, pelo menos, vinhas a Itabuna e em
meus seios repousavas teu cansaço de mascate. Eras folgazão, diziam-te
Grão-Turco e tinhas farta escolha. Hoje só de raro em raro abandonas por um dia
teu covil de cobras e de lazarentas, apenas apareces e já estás de volta.
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