segunda-feira, setembro 01, 2014

Eras folgazão, diziam-te Grâo - Turco.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 40

















A primeira casa de pedra e cal foi erguida pelo negro Castor
a fim de abrigar o malho e a bigorna, meses depois da história do dente de Clorinda, a vistosa amásia de Manuel Bernardes.

Segundo os diz-que-diz-que, o ferrador contou com a ajuda do coronel Robustiano de Araújo, que lhe adiantou algum dinheiro sem juros e sem prazo para pagamento:

 - Esse negro é astuto. Se não cair numa esparrela, vai enricar.
É um atrevido, aprendeu com as gringas, por isso é abusado; mais enxerido nunca vi.


O ARRUADO NO TEMPO DAS VACAS MAGRAS, FADUL ABDALA, VÍTIMA DE PESADELOS, TENTA AMANCEBAR-SE

1

O tempo das vacas gordas tardava a chegar sujeitando a paciência e o ânimo de Fadul a provas difíceis, a penas atrozes. Não obstante manteve-se firme, leal ao trato feito: estava cumprindo sua parte, Deus não haveria de faltar com a dele. Fadul não perdia ocasião de relembrar - com humilde prece quase sempre, com irada praga quando em desespero - os solenes compromissos assumidos - o Senhor trouxera-o pela mão àquele lugar para que ali se estabelecesse e enricasse, consumando seu destino.

Em determinadas ocasiões, contudo, vacilou e esteve à beira
da capitulação. Outros horizontes se ofereciam com perspectivas imediatas, atraentes visões, enquanto ele penava na limitada e lerda gestação de Tocaia Grande.

 Disposto a ganhar-lhe a alma, o Demónio fazia misérias para convencê-lo: montava mirabolantes esquemas, promovia aliciantes propostas, acendia miragens no açodamento do eremita.

Para conquistá-lo, o Indigno usava e abusava da estampa fatal
de Zezinha do Butiá. A cruel invadia-lhe o quarto de dormir,
impudica e insolente, para perturbar as contadas, indispensáveis horas de descanso.

Acontecia invariavelmente nas noites da mais árdua trabalheira quando, ao fim da insana lufa-lufa, Fadul atirava se na cama a corpo morto em busca do necessário repouso, do sono reparador, de um sonho propício em cujas reconfortantes peripécias se reconhecesse rico e respeitado.

Ao contrário, via-se enredado em ansiedade e bate-boca. Apenas adormecia, ela desembarcava desnuda e deslumbrante. Ofuscando-lhe os olhos fechados, exibia-se o xibiu de Zezinha, o próprio paraíso, pátria do deleite, maná e néctar.

Exibido e recusado. A filha do cão desmandava-se provocante, pintando o sete, a manta e os canecos para levá-lo ao descaminho. Imperioso convite no requebro, no dengue, na meiguice; recusa violenta no desprezo e na injúria -  língua de serpente, viperina.

Que fazes enterrado nesse buraco imundo, nesses perdidos cafundós? Turco ignorante, bestalhão!

 Antigamente, pelo menos, vinhas a Itabuna e em meus seios repousavas teu cansaço de mascate. Eras folgazão, diziam-te Grão-Turco e tinhas farta escolha. Hoje só de raro em raro abandonas por um dia teu covil de cobras e de lazarentas, apenas apareces e já estás de volta.

Site Meter