segunda-feira, setembro 15, 2014

Tu vai morrer nos braços dele
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 52
















Para que não persistissem dúvidas, para assegurar a confiança, as videntes começavam pelo relato verdadeiro de fatos acontecidos no passado da fulana, falando deles como se os houvessem presenciado.

Por um níquel a mais antecipavam o futuro, garantiam amásios, amigações ricas, fazendeiros, coronéis de alto coturno, afastavam rivais, anunciavam xodós exclusivos e eternos.

Forneciam sonho e amor a retalho e a preço baixo. Na feira das pitonisas ao pôr-do-sol, coube a Bernarda a mais velha e maligna das ciganas, a avó, cansada de tanto repetir vagos e exactos sortilégios.

 Tomando da mão que a menina lhe estendia -  não passava de uma menina - falou da perseguição de um velho; existe sempre um velho a perseguir meninas. Tiro e queda: com aquela simples referência demonstrou perfeito conhecimento do que ocorrera, deixando Bernarda boquiaberta:

 - É isso mesmo. Sei quem é o velho.

Não podia ser outro senão o pai, mas dele e daquele tempo
não queria se lembrar.

 - Quero saber é de depois, daqui pra diante. Quero é saber
se ele vai gostar de mim a vida toda.

 - Seu homem?

Ergueu a vista da mão para os olhos de Bernarda, conferiu a ansiedade e a paixão.

 - Quer que ele seja só seu, não é? Que não vá com mais nenhuma? Bote duzentos réis na mão que eu faço uma reza e nunca mais ele vai querer saber de outra.

- Por que havia de querer que ele fosse só meu? — Espantou- se Bernarda: - Ele pode ter quantas quiser.

Surpresa, a cigana voltou a fitar o rosto tenso da menina. O que todas pretendiam, sem excepção, era ser a única, primeira sem segunda; encomendavam malefícios contras as rivais, pagavam rezas e mandingas.

Buscou a explicação do absurdo na face aflita da menina, perguntou atarantada:

 - Então, o que é que tu quer?

 - Quero saber é se ele não vai se cansar de mim, largar de me ver. Se nunca vai se enjoar de mim.

 - Bota duzentos réis e a cigana conta tudo. Na avidez do níquel acrescentou para decidi-la: - Vejo sangue e morte...
Bernarda catou os dois tostões:

 - Diga de uma vez. Ele vai me querer a vida toda?

Tamanha aflição na fala da menina penetrou o peito da cigana, atingiu o embotado coração: abandonando as fórmulas repetidas, sempre as mesmas, vaticinou unicamente o que a desinfeliz queria ouvir:

 - A vida toda.

 -Vosmicê falou em morte...

 - Tu vai morrer nos braços dele -  Anunciou.

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