sexta-feira, outubro 17, 2014

Francisco Seixas da Costa
ANOMIA

(Francisco Seixas da Costa)

















A palavra não é muito usada, mas a expressão cunhada por Durkheim é a única que me ocorre para simbolizar o que hoje atravessa Portugal.

Ausência de objetivos, diluição de identidade, descrença num sentido coletivo de vida são os sinais contemporâneos que nos revelam um país à deriva.

Não se deduza daqui um derrotismo catastrofista, porque estamos sempre a tempo de mudar o rumo às coisas e, contrariamente ao que vulgarmente se pensa e diz, já atravessámos crises bem piores. Mas, para mudar, é necessário perceber como e por onde andamos e, em especial, evitar passos irreversíveis.

O que se tem passado nos últimos tempos na máquina do Estado, se bem que previsível, ultrapassou todos os limiares de razoabilidade e da incompetência aceitável.

As crises no sistema educativo e na Justiça, somadas a afloramentos de ruturas em várias outras políticas públicas, mostram que a aposta no desmantelamento do Estado, que este governo levou a cabo com um zelo sem precedentes, está a “funcionar”: o estado do Estado é já o que se vê.

Para isto juntou-se uma agenda ideológica de liberalismo simplista, servida por um pessoal político em geral impreparado, um cocktail de “jotas” com homens de aparelho, acolitados por tecnocratas cínicos e por deslumbrados com MBA, com uma agenda geracional agressiva, que se sentaram à mesa da desorçamentação do Estado atulhados de preconceitos: o Estado é hoje gerido por quem o odeia e despreza.

No início, obedeciam ao “script” dado pelo Memorando, que, com aparente alegria doutrinária, haviam herdado e que iam mesmo polindo com o zelo dos neófitos. A palavra de ordem era desregular, “desblindar”, acabar com as “golden shares” que perturbavam o livre fluir do mercado, privatizar tudo quanto fosse possível. Ah! e fazer tudo isso tão depressa quanto viável, antes que o país aturdido acordasse e os devolvesse à procedência.

Ao fim de uns meses pelos corredores do poder, percebeu-se logo que esse pessoal se achava possuído de uma “filosofia”: uma espécie de otimismo visionário e profético, uns novos “amanhãs que cantam” que pediam meças à credulidade determinista do “socialismo real”.

Alguns parece que chegaram a acreditar piamente na bondade dessas soluções e, como também ocorreu do outro lado do espelho ideológico, encaravam as vítimas da conjuntura – os velhos, os reformados, os doentes, os excluídos, os desempregados – como uma espécie de inevitáveis “colateral casualties”.

Sem remorsos, porque o “homem novo” estaria ao virar da esquina a salvar-lhes as consciências. E o seu futuro, claro.

Depois, foi, não o que se viu, mas o que está a ver-se. A dívida disparou, o desemprego também (na melhor das hipóteses fixá-lo-ão ao nível que o governo Sócrates o deixou), fazem uma coreografia anual para colocar o défice tão próximo dos objetivos quanto as malabarices financeiras o permitem, o Estado está no estado em que está e quem vier a seguir que feche a porta.

 Agora, atrapalharam-se no BES, deixaram a PT ir ao fundo sem um ai tempestivo, estão ainda a pensar se têm tempo para dar cabo da TAP.

E o país? O país, pelo que mostra, permanece em anomia, se acaso disso ainda restasse a menor dúvida. E se acordar?


PS – Não é um quadro, é uma fotografia, porque mais real, esta que o ex-embaixador Seixas da Costa faz do país. 

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