Francisco Seixas da Costa |
ANOMIA
(Francisco Seixas da Costa)
A palavra não é
muito usada, mas a expressão cunhada por Durkheim é a única que me ocorre para
simbolizar o que hoje atravessa Portugal.
Ausência de
objetivos, diluição de identidade, descrença num sentido coletivo de vida são
os sinais contemporâneos que nos revelam um país à deriva.
Não se deduza daqui um derrotismo catastrofista, porque estamos
sempre a tempo de mudar o rumo às coisas e, contrariamente ao que vulgarmente
se pensa e diz, já atravessámos crises bem piores. Mas, para mudar, é
necessário perceber como e por onde andamos e, em especial, evitar passos
irreversíveis.
O que se tem
passado nos últimos tempos na máqui na
do Estado, se bem que previsível, ultrapassou todos os limiares de
razoabilidade e da incompetência aceitável.
As crises no
sistema educativo e na Justiça, somadas a afloramentos de ruturas em várias
outras políticas públicas, mostram que a aposta no desmantelamento do Estado,
que este governo levou a cabo com um zelo sem precedentes, está a “funcionar”:
o estado do Estado é já o que se vê.
Para isto juntou-se
uma agenda ideológica de liberalismo simplista, servida por um pessoal político
em geral impreparado, um cocktail de “jotas” com homens de aparelho, acolitados
por tecnocratas cínicos e por deslumbrados com MBA, com uma agenda geracional
agressiva, que se sentaram à mesa da desorçamentação do Estado atulhados de
preconceitos: o Estado é hoje gerido por quem o odeia e despreza.
No início,
obedeciam ao “script” dado pelo Memorando, que, com aparente alegria
doutrinária, haviam herdado e que iam mesmo polindo com o zelo dos neófitos. A
palavra de ordem era desregular, “desblindar”, acabar com as “golden shares”
que perturbavam o livre fluir do mercado, privatizar tudo quanto fosse
possível. Ah! e fazer tudo isso tão depressa quanto viável, antes que o país
aturdido acordasse e os devolvesse à procedência.
Ao fim de uns meses
pelos corredores do poder, percebeu-se logo que esse pessoal se achava possuído
de uma “filosofia”: uma espécie de otimismo visionário e profético, uns novos
“amanhãs que cantam” que pediam meças à credulidade determinista do “socialismo
real”.
Alguns parece que
chegaram a acreditar piamente na bondade dessas soluções e, como também ocorreu
do outro lado do espelho ideológico, encaravam as vítimas da conjuntura – os
velhos, os reformados, os doentes, os excluídos, os desempregados – como uma
espécie de inevitáveis “colateral casualties”.
Sem remorsos,
porque o “homem novo” estaria ao virar da esqui na
a salvar-lhes as consciências. E o seu futuro, claro.
Depois, foi, não o
que se viu, mas o que está a ver-se. A dívida disparou, o desemprego também (na
melhor das hipóteses fixá-lo-ão ao nível que o governo Sócrates o deixou),
fazem uma coreografia anual para colocar o défice tão próximo dos objetivos
quanto as malabarices financeiras o permitem, o Estado está no estado em que
está e quem vier a seguir que feche a porta.
Agora, atrapalharam-se no BES, deixaram a PT
ir ao fundo sem um ai tempestivo, estão ainda a pensar se têm tempo para dar
cabo da TAP.
E o país? O país,
pelo que mostra, permanece em anomia, se acaso disso ainda restasse a menor
dúvida. E se acordar?
PS – Não é um quadro,
é uma fotografia, porque mais real, esta que o ex-embaixador Seixas da Costa faz
do país.
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