Os estudos custavam caro |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio
Nº 69
4
Apesar da conhecida má vontade para com as tricas dos bacharéis, chicanas mais temíveis do que os bacamartes e os clavinotes, o coronel Boaventura Andrade, naquele Dezembro da formatura do filho, não procurava ocultar a satisfação.
Um filho doutor, ainda raridade nas terras
grapiúnas, além de comprazer o coração dos pais, motivo de orgulho e
consideração, significava o próximo remate de projectos longamente concebidos.
Os estudos custavam caro, os preços dos
livros de Direito e das raparigas de estalo andavam pelas portas da morte - haja cacau!
Não era brincadeira sustentar os gastos
de um académico, mantê-lo na Capital com a largueza que se impunha à um rebento
do coronel Boaventura Andrade - a fama da fortuna do fazendeiro ressoava na
Bahia: plantações ilimitadas, milhares de arrobas de cacau a cada safra, as
ruas de casas de aluguel em Ilhéus e em Itabuna e o dinheiro a juros.
Ainda assim pagava a pena: o título de
doutor valia tanto quanto uma boa fazenda, chave para abrir as portas da
política e proporcionar um casamento afortunado.
Com o filho doutor ali à mão, o Coronel
não mais precisaria utilizar os serviços de outros bacharéis para cuidar-lhe os
interesses nos fóruns e cartórios, tampouco depender de terceiros a quem eleger
para cargos de confiança, a quem delegar comandos.
Ficava a salvo de aleives e falsidades, de
surpresas: assunto mais traiçoeiro do que a política só mesmo a justiça. Por
isso andam sempre juntos, de mãos dadas.
Venturinha, porém, tinha outros planos
para os meses a seguir.
Depois de tantos anos de estudo, provas
escritas, exames orais, queimando as pestanas em cima dos tratados, reclamava merecidas
férias.
Não as habituais férias estudantis de fim de ano
em Ilhéus e Itabuna, recrutando raparigas de terceira nos cabarés, e, sim,
férias de doutor recém-formado, no Rio de Janeiro.
Conhecera a Capital da República mal e
porcamente - são os termos adequados - durante a excursão de uma embaixada de
estudantes, escassos qui nze dias,
quando cursava o terceiro ano.
Pretendia dessa vez demorar-se os meses de Janeiro
e
Fevereiro, seguindo antes do Ano-Novo,
voltando após o carnaval.
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