sábado, novembro 01, 2014

Meu nome é Jussara
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 87



















Vestia-se de luto carregado mas na brasa dos olhos e no carmim dos lábios não se enxergava sombra de lágrimas, resquício de saudade.

Se carpira o morto em algum momento, já não o pranteava: ressumando vida, respirava langor e prazer, transluzia ao sol da feira em promessa e convite.

 Na mão, um rebenque com cabo de prata; na boca carnuda, semi-aberta, os dentes alvos e perfeitos, dentes de morder.

 - Ouvi falar muito a seu respeito. - Não disse de quem ouvira nem o que lhe falaram como se a afirmação ocultasse algum segredo:

  - Meu nome é Jussara. Conheceu Kalil Rabat, dono da Casa Oriental?

Fixando a vista, Fadul descobriu sob o xale de ramagens uma rosa cor de sangue posta atrás da orelha e a descoberta o alvoroçou.

De onde ela viera, essa cabocla? Das profundas da mata onde pelejavam curibocas ou de um acampamento andejo de ciganos?

Quantos sangues se haviam misturado para resultar nesse mistério, para atingir esse fascínio?

 - Conheci. Mais de vista que de trato. Soube que morreu.

 - Sou a viúva dele. Não entendo de balcão de loja. Pobre de mim.

Estendeu o rebenque, tocou o peito do gigante, ao mesmo tempo insolente e rendida:

- Quando passar por Itabuna venha me ver. Vou lhe mostrar a loja. Estou buscando quem me ajude: ninguém leva a sério
uma viúva cuidando de negócios. Pobre de mim.

Virou-lhe as costas, andou para onde um pajem a esperava segurando o cavalo pampa pela rédea. Antes de alcançar a montaria, Jussara arrancou o xale da cabeça num gesto repentino. Deixou que os cabelos negros - mais negros do que a saia de montar, a blusa de seda, as rendas e os babados -  escorressem desnastros pelas costas: batiam na cintura.

 Fadul engoliu em seco, parvo a espiar. Ajudada pelo pajem, Jussara pôs o pé no estribo, montou, acomodou-se no selim.

Voltou a cabeça para o turco, acenou adeus. Um minuto após já não estava.

Manuel da Lapa estendeu a mão cobrando o preço dos dois burros, comentou:

 - Uma realeza de mulher, um despropósito, seu Fadu.

Montado num dos burros, tangendo o outro, Fadul rumou para Tocaia Grande: pobre, ai de mim! Proscrito, relegado ao cu do mundo.

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