Que diria Fernando Pessoa... |
“Vou chumbar à Língua Portuguesa”
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Eu estou
farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles,
excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes
memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no
jardim. Ou: a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes
que já quase me parecem certos.
Deve ser por isso que os ministros também os
dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o
totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só
nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca
de saber o que é o lead, parem de nos chatear.
Nascemos curiosos e
inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar
tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e
um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece,
porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe,
acabei a redacção - agora parece que se escreve redação meu pai diz que é um
disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma
nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós
somos pequenos.
A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e
julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do
Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos.
Mas,
como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões,
a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros. E agora
é mesmo o fim.
Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me
perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e
subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.
João
Abelhudo, 8º ano, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática
Este
texto é da autoria de Teolinda Gersão. Escritora, Professora Catedrática
aposentada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Escreveu-o
depois de ajudar os netos a estudar Português.
NOTA - Eu recuso-me a escrever, como já perceberam, segundo a nova ortografia que mais me parece um atentado à minha língua portuguesa, que me ensinaram na escola e mais tarde no liceu pelo meu professor formado em Salamanca, na raiz do latim, de que o português descende.
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