Se ia pagar, pagasse o justo... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 101
Quanto menor a paga, maior o insulto, a
humilhação, discutiu o turco mas terminou vencido. Zezinha
não se convenceu: desejava evitar que ele passasse por sovina, por michê mesqui nho: se ia pagar, pagasse o justo, até um pouco
mais.
Fadul, sensível a esses eloquentes
argumentos, dispôs-se finalmente a enviar o dobro do que cobravam as raparigas
mandadas vir de Itabuna: por Jussara ser viúva e não exercer o oficio por
dinheiro.
Quis chamar Vadeco, moleque de recados,
faz-tudo na pensão de Xandu, para levar a encomenda em mão: está aí o pagamento
que seu Fadul mandou. Rindo, Zezinha empalmou os cobres:
-
Desperdiçar dinheiro com Jussa, tu não toma tento! É o mesmo que jogar dinheiro
fora: ela vai se rir e dar de agrado ao pajem. Fica melhor na minha mão, tou
precisando pra ajudar meu povo.
DURANTE
AUSÊNCIA ANTERIOR DE FADUL ABDALA, O FAMIGERADO MANEZINHO INVADE TOCAIA GRANDE
À FRENTE DE JAGUNÇOS
1
Não enfrentou apenas tentações do demónio,
sonhando acordado, penando adormecido. Putas e donzelas em cio ofertando-se no
leito, viúva rica, pretendidas noivas, lojas de tecidos, movelaria, promessas
de fortuna rápida, de vida alegre, fantasias loucas!
Vítima da crueldade e da cobiça dos
homens, arrostara outras provações, capazes da abater e pôr em fuga cidadão
menos obstinado. Antes de começar a ganhar dinheiro a rodo, Fadul Abdala purgara
seus pecados em Tocaia
Grande.
Antigamente, na labuta de mascate, ao
menos era dono de seu tempo: demorava-se facilmente uma semana em Ilhéus e
Itabuna regalando-se.
Instrutivas conversas com Fuad Karan e Álvaro
Faria, disputados torneios de dama e de gamão, tentadores e arriscados baralhos
de pôquer e pif-paf, cabarés - dois em Ilhéus, um em Itabuna - pensões de
mulheres, as luzes da civilização.
Abastança para a cachola e para a
carcaça, Fadul lavava a alma, tirava a barriga da miséria. Freguesia de regatão, não tem data nem
horário para compras, vive atenta ao anúncio da matraca para a festa de chegada
do bufarinheiro.
Mas o armazém, de início uma bodega, pouco mais, exigia a
presença do proprietário em permanência para oferecer e servir, cobrar e
receber, impor respeito.
Negociante de porta aberta em arruado novo,
dono do único comércio a atender os forasteiros, não podia dar-se a luxos de
mascate: recolher a mercadoria, pô-la às costas e partir a regambolear quando e
onde qui sesse.
Fadul passara a viver um calendário de
sufoco. Afastar-se de Tocaia Grande implicava problema e risco.
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