terça-feira, novembro 18, 2014

Se ia pagar, pagasse o justo...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 101
















Quanto menor a paga, maior o insulto, a humilhação, discutiu o turco mas terminou vencido. Zezinha não se convenceu: desejava evitar que ele passasse por sovina, por michê mesquinho: se ia pagar, pagasse o justo, até um pouco mais.

Fadul, sensível a esses eloquentes argumentos, dispôs-se finalmente a enviar o dobro do que cobravam as raparigas mandadas vir de Itabuna: por Jussara ser viúva e não exercer o oficio por dinheiro.

Quis chamar Vadeco, moleque de recados, faz-tudo na pensão de Xandu, para levar a encomenda em mão: está aí o pagamento que seu Fadul mandou. Rindo, Zezinha empalmou os cobres:

 - Desperdiçar dinheiro com Jussa, tu não toma tento! É o mesmo que jogar dinheiro fora: ela vai se rir e dar de agrado ao pajem. Fica melhor na minha mão, tou precisando pra ajudar meu povo.


DURANTE AUSÊNCIA ANTERIOR DE FADUL ABDALA, O FAMIGERADO MANEZINHO INVADE TOCAIA GRANDE À FRENTE DE JAGUNÇOS

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Não enfrentou apenas tentações do demónio, sonhando acordado, penando adormecido. Putas e donzelas em cio ofertando-se no leito, viúva rica, pretendidas noivas, lojas de tecidos, movelaria, promessas de fortuna rápida, de vida alegre, fantasias loucas!

Vítima da crueldade e da cobiça dos homens, arrostara outras provações, capazes da abater e pôr em fuga cidadão menos obstinado. Antes de começar a ganhar dinheiro a rodo, Fadul Abdala purgara seus pecados em Tocaia Grande.

Antigamente, na labuta de mascate, ao menos era dono de seu tempo: demorava-se facilmente uma semana em Ilhéus e Itabuna regalando-se.

Instrutivas conversas com Fuad Karan e Álvaro Faria, disputados torneios de dama e de gamão, tentadores e arriscados baralhos de pôquer e pif-paf, cabarés - dois em Ilhéus, um em Itabuna - pensões de mulheres, as luzes da civilização.

Abastança para a cachola e para a carcaça, Fadul lavava a alma, tirava a barriga da miséria. Freguesia de regatão, não tem data nem horário para compras, vive atenta ao anúncio da matraca para a festa de chegada do bufarinheiro.

Mas o armazém, de início uma bodega, pouco mais, exigia a presença do proprietário em permanência para oferecer e servir, cobrar e receber, impor respeito.

 Negociante de porta aberta em arruado novo, dono do único comércio a atender os forasteiros, não podia dar-se a luxos de mascate: recolher a mercadoria, pô-la às costas e partir a regambolear quando e onde quisesse.

Fadul passara a viver um calendário de sufoco. Afastar-se de Tocaia Grande implicava problema e risco.

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