E nunca aprendi a roubar, não sei porquê. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 117
Para gáudio de uns, espanto de outros,
quem desatou o nó e resolveu o problema, quem enfrentou a responsabilidade e
assumiu a pesada carga foi - imagine-se! — a velha Jacinta Coroca.
Voltara de Taquaras com a tropa de Zé
Raimundo, escanchada na cangalha de Lua Cheia, repicando guizos, no dia
seguinte ao do saque, a tempo de constatar a depredação e medir o prejuízo.
Balançou a cabeça em silêncio, não foi
apoquentar Fadul com perguntas e palpites.
Ao sentir, certa noite, a aflição do
turco, tão grande a ponto de silenciá-lo durante a trajectória da fornicação
habitualmente ruidosa e festiva, Coroca se ofereceu enquanto o asseava com
delicadeza e zelo.
-
Se qui ser, seu Fadu, vá sua viagem
descansado que eu do tomo conta do negócio. Deixe comigo, faço suas vezes. Pode
ir sem cuidado.
De pé, enorme e nu, pingando água da
caceta desmarcada, o turco olhou estupefacto para Jacinta, que segurava um
pedaço de sabão curvada em frente à pequena bacia de flandre comprada a prazo
ao próprio Fadul.
Ele demorou-se a medi-la e a pesá-la
como se nunca a tivesse visto.
- Tu tá propondo que eu viaje deixando o
armazém aberto e tu respondendo por tudo, vendendo, recebendo, dando troco?
Depositando o peso de sabão junto à
bacia, Coroca tomou de um trapo limpo, enxugou com cuidado o imponente saco e a
notável estrovenga:
- E só me dar os preços por escrito, sei
de uma porção. Vou dormir em riba do balcão até vancê chegar.
Ergueu o busto: à luz do fifó o corpo
encarqui lhado e frágil se alteou, os
olhos cintilavam.
- Tu? - Fadul a encarava pasmo, boca
aberta.
Uma brincadeira de mau gosto do Senhor
Deus dos maronitas que mais uma vez o abandonava à sorte ingrata. Revoltado, fulo
de raiva, elevou o pensamento aos céus: nesta hora adversa em que, desesperado,
busco o auxílio de um homem macho competente e sério, o adjutório que me
ofertais, Senhor, é essa puta velha e descarnada?
Então, uma luz brilhou no juízo de Fadul
Abdala e ele entendeu que bravura, sabedoria e decência não são privilégios dos
machos, dos ricos e dos fortes; são apanágio de qualquer mortal, mesmo em se
tratando de uma puta velha e descarnada.
Não era Coroca boa de cama e de conselho?
- Tu? - Repetiu com outro acento.
- Eu sim senhor. Maria Jacinta da
Imaculada Conceição, que vancês trata de Coroca. Sei ler, assinar o nome e
fazer conta e já cuidei de uma qui tanda
no Rio do Braço.
Medo, só senti uma vez quando gostei de um
homem, foi ele que me ensinou a ler.
Colocou o trapo ao lado do sabão e da
bacia. Sorrindo, concluiu:
-
E nunca aprendi a roubar, nem sei por quê.
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