segunda-feira, fevereiro 23, 2015

E não deve, dona Coroca?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 181



















A capa de toucinho que cobria os porcos tornava-os imunes às picadas das serpentes que eles matavam e comiam. A pedido dos novos moradores, Guido e Lupiscínio planejavam o assentamento de um pontilhão na parte mais estreita da correnteza.

Tendo perdido mais de uma rês na enxurrada, o coronel Robustiano de Araújo demonstrava interesse pelo projecto. Também o Capitão.

A família de José dos Santos, procedente de Buquim, somava seis parentes: ele, a mulher, o filho homem e as três moças. A de Altamirando, constituída pelo casal e uma filha, viera do sertão tocada pela seca; a filha, Ção, lesa de nascença, completara treze anos.

 De quinze em quinze dias Altamirando comprava um boi no curral do coronel Robustiano - a crédito, para pagar na quinzena seguinte - e o abatia para vender a carne fresca aos domingos e salgar a sobra.

 Da sociedade com Ambrósio, José dos Santos tencionava construir uma casa de farinha: plantações de mandioca vicejavam impetuosas.

- Inda outro dia - prosseguiu Lupiscínio - tirante os passarinhos, as cobras e os burros de tropa, não se via outra raça de bicho solta por aqui. Se lembra, dona Coroca? Hoje...

Apontava o bando de frangos e frangas fugindo alvoroçadas.

A galinha sura, propriedade de Merência, ciscava cercada por numerosa ninhada de pintos de pescoço pelado. Sob a jasqueira, nas proximidades do armazém de Fadul, uma porca parida fuçava frutos podres à frente de um renque de bacorinhos.

- Se me lembro... Gente trabalhadeira essa de seu Ambrósio, sem desfazer dos demais. Gente boa. Inda hoje sia Vanjé amanheceu lá em casa levando um capão gordo. Nem que me devesse obrigação.

- E não deve, dona Coroca?

- Quem deve a eles sou eu e não tenho com que pagar. Olhou para as mãos ressequidas de dedos longos e magros. - Só Deus sabe.

Elogiaram os sergipanos e os sertanejos, falaram disso e daquilo, trocaram pontos de vista culinários ao sabor da conversa: ociosa na manhã de domingo. Para Lupiscínio não havia carne de ave que se comparasse com a de galinha sura.

Coroca discordava: no seu opinar a galinha-d’angola levava vantagem sobre todas as demais. Zilda, mulher do capitão Natário, fazia um prato chamado frito de capote: quem prova dele nunca mais esquece!

 Capote, um dos nomes da galinha-d’angola que tinha para mais de vinte e era arisca: preferia viver no mato, não se acostumava no terreiro.

Site Meter