sábado, fevereiro 28, 2015

Na hora de fazer bem que tu gostou, não foi?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 186

















Vanjé não mais se achou sozinha, readquiriu a confiança, colocou-se às ordens da comadre. Coroca perguntou pela garrafa.

Diva trouxe uma garrafa vazia, ainda com cheiro de cachaça.

- Sopre nela de com força. - Recomendou Coroca passando a garrafa às mãos de Lia para logo retomá-la: - Não é só uma vez, é sem parar. Vou fazer, veja como é:

Ensinava a maneira correta:

- Espie. Tome fôlego bem fundo, assim como eu fiz, e sopre enquanto agüentar. - Tomara fôlego, soprara na abertura do gargalo: - Depois faça de novo, não pare de soprar.

Mandou que fervessem água num panelão de barro para o banho de assento necessário para acelerar os puxos e apressar parto:

- Não há coisa melhor.

Reclamava de Dinorá ali parada, o menino ao colo, inútil:

- Que parvoíce é essa, mulher? Bote o menino pra dormir, venha ajudar. Traga a bacia, ponha aqui pertinho.

Coroca nunca fizera um parto, porém, nas pensões de raparigas, presenciara um sem-número deles, fáceis e difíceis.

Ajudara as respeitáveis comadres na preparação do despejo, admirando os conhecimentos e a prática das sábias senhoras.

Mas vira também crianças nascerem mortas ou morrerem ao nascer nas mãos de curiosas sem competência, por descuido ou ignorância.

Proclamavam-se parteiras, eram fazedoras de anjos e ainda por cima cobravam e recebiam. Coroca costumava dizer a rir que ninguém testemunhara o nascimento de tantos filhos da puta quanto ela. Mas, com a responsabilidade de parteira, de trazer para a vida ou condenar à morte prematura, aquele era primeiro.

E logo de mulher casada.

Sentia um frio subindo das entranhas para o peito, mas não dava demonstração, não deixava perceber. Aparência tranquila, despreocupada, demorava-se numa conversa correntia sobre os roçados e os bichos de criação, as galinhas poedeiras e a porca prenha. Interrompia a prosa para exigir que Lia continuasse soprar na boca da garrafa com força e sem descanso.

As contrações amiudavam-se, tornavam-se mais prolongadas, a moça sentia-se rasgar por dentro: ai, que vou morrer!

Ainda assim Coroca a fez rir em meio às dores:

- Na hora de fazer, bem que tu gostou, não foi?

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