quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Tu não sentia nada com ele?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 171


















Por entre os fios da cabeleira solta sobre o rosto, Bernarda acompanhou o olhar de Jacinta vagando sem rumo. Contra a claridade, os olhos pareciam vazios, olhos de cego. Coroca retornou à costura, a ladainha recomeçou:

- Tivesse perguntado, eu tinha ensinado. Bastava ela dizer: Jacinta, como é que a gente faz pra não pegar filho? Mas, cadê, ela perguntou? Escusava estar aí de barriga, sem saber quem é o pai da criança.

Começara a remendar uma anágua, lançou outro olhar de viés para o ventre intumescido da rapariga, abrandou a voz:

- Também não é motivo para ela se amofinar. Conheço a receita de uma garrafada feita com folhas que a gente cata no mato, é tiro e queda. A fulana bebe e no mesmo dia, com poucas horas, bota tudo pra fora, no carrego do boi, não fica nem rastro,

Tem de tomar dentro d’água, na hora do banho. Aprendi com a finada Cremilda que pegava menino a três por dois, não que quisesse, mas porque ela era assim, emprenhava no bafo dos homens.

Pois bem: tantos pegou, tantos devolveu.

Fitou a moça de frente: companheira de casa e de ofício, tão
moderna, sem um pingo de juízo. Coroca não podia permitir tamanho desatino:

- Tou falando com tu, tenho idade pra ser sua avó. Preparo a garrafada ainda hoje, é ruim de gosto mas lava o bucho. Tu toma no meio da tarde, amanhece de barriga limpa. Tá ouvindo?

Bernarda levantou a cabeça, jogou os cabelos para trás e finalmente enfrentou o olhar da tagarela:

- Vosmicê me desculpe mas não vou beber garrafada nenhuma para esvaziar a barriga, não tome trabalho de ir pro mato catar folha. Sei que vosmicê não fala por mal, fala na tenção de me ajudar. Só que eu peguei menino porque quis pegar, não foi por ignorância.

Cadê que peguei mentres Pai dormiu comigo?
Não queria ter filho dele: quando Pai abria minhas pernas, eu fechava o resto do corpo.

- Tu não sentia nada com ele?

- Vosmicê pode não acreditar, pensar que tou mentindo.
Das primeiras vez, me dava raiva, só fazia chorar. Depois, nem isso.

- Fez um gesto com o ombro espantando aqueles amargores passados: - Nem quero me lembrar, agora não me importo com mais nada afora o menino que tá na minha barriga.

Peguei porque quis e vou parir ele, ninguém vai empatar. Ninguém, no mundo.

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