quinta-feira, março 12, 2015

Dona Enestina virara um sapo gordo.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 195





5













Para consolar-se, esquecer a ausência do filho, o Coronel necessitava de algo mais do que percorrer a fazenda, inspeccionar as plantações e as benfeitorias: os cochos, as estufas, as barcaças.

Em momentos de desabafo, com o padre Afonso, na sacristia da Matriz, ou com a médium Zorávia, no Tenda Espírita Fá e Caridade, dona Ernestina, lavada em lágrimas, se referia à ingratidão do filho: algum espírito inferior encostara nele.

 O Coronel não falava em ingratidão, sempre fora prudente no uso das palavras: quando diziam tocaia ele dizia trampa, e a luta sangrenta pela posse da terra, as refregas e combates, os tiroteios entre jagunços, as mortes - tantas! - haviam-se reduzido em seu dizer a barafundas da política.

Quando algum amigo, de intimidade e confiança, trazia à baila a prolongada demora de Venturinha no Rio de Janeiro, o Coronel explicava, levantando os ombros num gesto de quem atribui a pouca importância ao fato: rapaziadas.

Antes que rotulassem de irresponsabilidade ou de descaso. Não se queixava, evitava o assunto, trancava a amargura no fundo do peito. Mas Natário o conhecia como as palmas das mãos e sabia o que lhe custava tanto o silêncio quanto a explicação: rapaziadas.

Dona Ernestina, entregue por completo à religião e à indolência - para matar a saudade do doidivanas empanturrava se de doces e chocolates - envelhecia obesa e pudibunda.

 Dos deboches de cama a que se entregara outrora com o marido nem queria se lembrar - deboches em sua opinião, pois jamais os cônjuges foram além de modesto papai-mamãe procriador.

Cumprira o dever de esposa, concebera e dera à luz um filho. Na esperança de ter uma menina e assim completar o casal, ainda aceitara durante alguns pares de anos a frequentação do Coronel, aliás a cada dia mais vasqueira.

Ela o fez pela menina que não veio, por nenhum outro motivo: como a grande maioria das senhoras casadas, suas conhecidas e amigas, nunca soubera, nem por ouvir dizer, o significado da palavra orgasmo e o que fosse gemer de gozo nos braços do parceiro.

Umas poucas descaradas, bem certo, se comportavam no leito conjugal como putas em cama de bordel, não se davam ao respeito, maculavam a nobreza do matrimônio e a sublime condição de mãe de família. Pouquíssimas e indignas.

Para as baixas necessidades dos homens sobravam as mulheres damas, as públicas e as exclusivas. Dona Ernestina tinha conhecimento da existência de Adriana, amásia do Coronel havia mais de dez anos: não lhe causava mossa.

Tampouco a ofendia o desinteresse do marido: fazia um século que não se punha nela, que a deixara em paz. Graças a Deus.

Ainda bem que a santa senhora assim pensava, pois com a religião e as pitanças - os santos, os espíritos, as chocolatadas, as gemadas, a ambrosia, a cocada-puxa - dona Ernestina virara um sapo-boi enquanto o Coronel, devido à idade, tornava-se exigente.

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