Hoje não pode ser , tou de boi... |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge
Amado)
Episódio
Nº 204
Somente
então desejou boa noite, tendo antes se colocado às ordens. Caso viessem a
precisar de alguma coisa, não tivessem acanhamento, podiam chamá-lo na oficina
a qualquer hora.
Partiu
em companhia de Agnaldo, precedidos por Alma Penada. Da porta, vão mal coberto
por uma palma de coqueiro-de-dendê Diva os viu partir: o cachorro, o irmão e o
ferreiro.
Permaneceu por um momento a contemplar a lua
cheia, cravada sobre o rio. Haviam chegado, finalmente.
3
Dinorá desdenhou da rede, preferindo
estender-se no catre, junto a Lia: entre elas o menino. Na quentura dos corpos,
o choramingas adormeceu e em seguida a mãe ressonou,
morta de cansada. Também o inqui eto
mal-dormir de Lia mais adiante se acalmou e a grávida por fim pôde esquecer o
peso e o volume do ventre ancho e túmido.
Sozinha na rede, pernas e braços
encolhidos, Diva prosseguiu acordada, atenta aos rumores que se sucediam na
Baixa dos
Sapos ou que lá ressoavam vindos do
descampado. Ouviu passos, palavras soltas, sobras de riso: o movimento ia
crescendo à proporção que a noite se completava no vale de Tocaia Grande.
Diva percebeu o ressoar de cascos na
distância, escutou nomes de animais apregoados por tropeiros e ajudantes:
Cangerão, flor da Mata, Coscorote, Diamante, Marisca, égua da peste!
De um barraco próximo chegaram pedaços
de diálogo:
- Hoje não pode ser, tou de boi... —
desculpava-se a mulher.
- Puta merda, que urucubaca! - Lastimava
o homem.
De repente ouviu alguém gritar no meio
do silêncio o apelido negro:
— Tição! Oi, Tiçãol
Sem dúvida um tropeiro em busca dos serviços
do ferrador de burros que pelo visto atendera com presteza pois o apelo não se
repetiu.
A rede exalava um cheiro forte, provinha
do negro certamente, e a envolvia. Ali ele suara nas noites de calor, nos
braços das mulheres, e o suor impregnara no tecido seu odor de homem, sua
inhaca de macho, seu perfume.
Embriagador, o aroma espesso a
inebriava; Diva sentia-se como na noite do passado São João quando abusara do
licor de jenipapo. Uma tontura, a cabeça pesada a pique de sofrer uma vertigem.
Não conseguia mergulhar nas profundas do
sono, desligar-se das lembranças da tarde. Contudo não estava inteiramente
desperta, vagava no embalo da rede, presa à peçonha daquele cheiro que já
sentira antes na oficina quando o ferreiro espoucara em riso, erguido diante da
bigorna.
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